Uma vida dedicada à igualdade das mulheres dentro e fora da Igreja
Por Cidália Vargas Pecegueiro. Socióloga, investigadora.
M. Margarida Pereira-Müller. Escritora, jornalista.
Maria João Sande nasceu a 17 de junho de 1938, em Lourenço Marques, atual Maputo (Moçambique), e frequentou um colégio de religiosas até ao quinto ano, mudando depois para o Liceu Salazar, onde concluiu o antigo ensino liceal.
Da infância passada em África guardava na memória tempos felizes. Do clima agradável, das pessoas simpáticas e da qualidade de vida, que em nada se comparava à de Lisboa – «Em Moçambique as casas eram maiores, habitualmente com jardim, não sendo necessário ser-se rico para se poder jogar ténis ou montar a cavalo».
Em 1961, veio com o resto da família para Lisboa, onde se lhe proporcionavam excelentes oportunidades de emprego. Como dominava o Francês e o Inglês, rapidamente encontrou trabalho como tradutora.
Como católica, era muito ativa em vários movimentos, como as Equipas de Nossa Senhora e o Comité Regional das Equipas Católicas. Quando se deu a Revolução de 1974, ficou feliz. Viveu aquele momento como uma lufada de ar fresco, razão pela qual se afirmava «uma devota do 25 de abril, porque foi graças à revolução que os portugueses puderam ter direitos, liberdades e garantias».
Esteve ao lado de Sá Carneiro na criação do Partido Popular Democrático (PPD)[1], fundado no dia 6 de maio de 1974, tendo juntamente com o marido, que era amigo de Francisco Sá Carneiro, aderido ao mesmo uma semana mais tarde.
Esta militância marcou um antes e um depois nas suas vidas. De tal forma que costumava dizer, sem hesitação, que os anos mais felizes da sua existência foram os de casada e o período compreendido entre 1974 e a morte de Sá Carneiro, em 1980.
Acérrima defensora dos direitos das mulheres, orgulhava-se de ter lutado, com o apoio de Snu Abecassis, para que durante o governo de coligação da AD, o CDS não integrasse a Comissão para a Condição Feminina na Secretaria de Estado da Família, o que teria representado um retrocesso nos direitos das mulheres, pois seria o reconhecimento de que a sua vida se limitava à família.
Manteve uma atividade partidária intensa: fez parte do Conselho Nacional e da Mesa do Congresso, tendo sido nessa função que integrou a delegação feminina portuguesa que foi convidada pelo embaixador Alcides Sakala, representante da Unita em Portugal, para visitar a Jamba.
Em 1992, fez parte da equipa de Observadores Internacionais que acompanharam as eleições na República Popular de Angola, um momento que lhe deu uma enorme satisfação pela manifestação de civismo, que em nada fazia prever os terríveis acontecimentos que viriam a acontecer a seguir.
Esteve também como Observadora Internacional nas eleições de Guiné-Bissau (1994), apoiando depois durante vários anos o regime político que tanto Jonas Savimbi como Joaquim Chissano defendiam para os seus países: a Democracia.
No mesmo ano, Maria Barroso criou a Fundação Pro Dignitate, com o objetivo de prevenir a violência e promover os direitos humanos. Maria João Sande Lemos acompanhou-a várias vezes a Moçambique durante o processo de guerra entre a Renamo e a Frelimo.
Recordava-se, especialmente, de uma viagem à África do Sul, em que se encontraram com Gatsha Buthelezi [2] e em que, depois de regressarem a Moçambique, Maria Barroso pediu ao Presidente Joaquim Chissano para que fosse criado um corredor para a paz, através do qual, quem fugia de Moçambique para a África do Sul, pudesse passar com vida em Ressano Garcia, o posto fronteiriço entre os dois países. O Presidente Joaquim Chissano acedeu, tendo sido esta uma das grandes vitórias de Maria Barroso.
Outra das causas em que sempre se empenhou foi a defesa dos direitos das mulheres e das crianças, tendo participado, em 1995, na delegação da Comissão da Condição Feminina que esteve presente na IV Conferência das Nações Unidas sobre as Mulheres, em Pequim. Na altura, Maria João Sande Lemos era assessora da Secretária de Estado da Justiça, a Maria Eduarda Azevedo, que tinha sido nomeada por Aníbal Cavaco Silva, Primeiro-Ministro na altura, como responsável pelos assuntos desta Comissão.
Sempre recordou com emoção a sua participação numa reunião tão importante, em que se discutia o futuro das mulheres a nível mundial. Dizia, porém, que teve um desgosto enorme quando comprovou que a delegação do Vaticano votava sempre as propostas alinhada com países como a Arábia Saudita ou o Qatar, demonstrando um conservadorismo que muito a desagradou e entristeceu.
Em 1997, foi uma das cofundadoras, no nosso país, do Movimento Internacional Católico «Nós Somos Igreja» (NSI), que defende a democratização da Igreja e a valorização dos direitos das mulheres, incluindo o direito a serem ordenadas[3], para além de considerar fundamental acabar com o celibato obrigatório[4].
Mas o balanço dos mais de vinte e cinco anos de atividade do NSI deixava-a muito desapontada e pessimista acerca da renovação da Igreja, pois reconhecia que, apesar de existir um sentimento generalizado de que as coisas deveriam mudar no seu interior, não via qualquer alteração na mentalidade misógina das hierarquias, lamentando, também, que o Papa Francisco não tenha conseguido reverter a falta de representatividade no Vaticano, que, no seu entender, «funciona de forma autocrática».
Maria João Sande Lemos morreu no dia 4 de junho de 2024, razão pela qual mais se faz aqui memória da sua vida de serviço a Deus e à Igreja, particularmente à causa da Mulher.
[1] Em 1976, o partido alterou o nome para Partido Social Democrata (PSD).
[2] Gatsha Buthelezi era Ministro do Interior da África do Sul e líder tribal dos zulus.
[3] Afirmava que não existe absolutamente nada nos Evangelhos que diga que as mulheres não podem aceder ao sacerdócio. Refere que Cristo não ordenou ninguém, pois era contra a instituição sacerdotal estabelecida, e que nos primeiros tempos do Cristianismo havia comunidades lideradas por mulheres e outras por homens, algo comprovado, por exemplo, nas cartas de São Paulo, onde são dadas instruções diretas a mulheres para que conduzam as comunidades de determinada forma.
[4] Os padres foram casados até ao séc. XII, sendo a introdução do celibato uma medida burocrática por causa de questões de heranças e partilhas – Afinal, porque não podem as mulheres ser padres? João Francisco Gomes, 03 de nov. de 2016. Observador. Disponível em: https://observador.pt/explicadores/afinal-porque-nao-podem-as-mulheres-ser-padres