Propusemo-nos lançar um olhar sobre algumas das transformações do mundo atual e encontrar nelas caminhos para a vida dos cristãos hoje. A confiança na presença de Deus, na história e na nossa vida de cada dia, é a razão da nossa esperança que nos anima e fortalece. A história da Igreja é sedimentada na certeza de que Jesus caminha a seu lado e de que o Espírito Santo a ilumina, mesmo nas noites mais sombrias.
Pela sabedoria dos Padres do Deserto, eremitas e ascetas, do século IV a V, vamos apontar alguns caminhos de vida do cristão do século XXI.
1. Encontro com Deus
Disse o pai Arsénio:
“Se buscarmos o Senhor, Ele se manifestará a nós; e se com Ele vivermos, Ele ficará connosco”[1]
Ninguém pode dar o que não tem. A relação com Deus é a fonte central da vida de um cristão. Há uma tensão permanente entre as exigências das obrigações e responsabilidades diárias e a necessidade deste encontro com Deus. O tempo que nos é dado é um recurso (muito) escasso, que procuramos gerir de acordo com a nossa ordem de prioridades. Santa Teresa de Jesus inspira-nos nesta ideia de uma unidade de vida, onde tudo o que fazemos pode ser uma oração a Deus, pois Ele está sempre connosco, até nas tarefas mais quotidianas.
A relação com Deus é cultivada na oração pessoal, na comunidade e no trabalho. Refere o Monge Anselm Grün que “o encontro com Deus é algo de inteiramente pessoal. Mas o caminho espiritual precisa de um contexto e de uma comunidade”[2]. Nos dias de hoje, a uma forte tendência para uma espiritualidade pessoal, desprovida de uma participação comunitária. É no equilibro entre a dimensão pessoal e comunitária que o nosso caminho espiritual se fortalece e adquire bases mais sólidas. Se nos centrarmos apenas na dimensão pessoal, corremos o risco de criar uma imagem de Deus à medida das nossas necessidades. Ao invés, uma oração apenas comunitária pode ser desprovida de profundidade e tornar-se uma mera formalidade, sem sentido. Jesus dá-nos estas duas grandes certezas: o Pai do céu ouvirá a oração que fazemos no segredo do nosso coração (“Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te” Mt 6:6) e quando dois ou três estiverem reunidos em Seu nome, Ele faz-se presente (“Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” Mt 18: 19).
A vivência cristã engloba sempre a totalidade da nossa vida, na dimensão pessoal e na nossa relação com a comunidade. O cristão é uma pessoa de oração!
2. Testemunho
Um ancião dizia:
“Por onde quer que voe, a abelha produz mel; assim também o monge, por onde quer que vá realiza a obra de Deus”[3]
Em 2010, na Avenida dos Aliados no Porto, Bento XVI afirmava categoricamente que “O cristão é um missionário de Cristo enviado ao mundo”. Não podemos calar a mensagem que nos foi confiada: Deus é Amor, Deus ama-nos, Deus é Pai. O anúncio desta Boa Nova é feito desde logo pelo exemplo de vida. Este é o grande tesouro que levamos nos nossos vasos de barro (Cf. 2 Cor 4:7) e que transforma a forma como olhamos para o mundo e para nós mesmos. Acolhemos este grande amor nos nossos corações frágeis e com tantas arestas por limar. Assumimos a nossa fragilidade também como oportunidade de caminho de crescimento pessoal.
Testemunho significa coerência entre o que professamos e o modo como vivemos. “Nem todo aquele que me diz: ’Senhor, Senhor’ entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai” (Mt 7:21). Aceitar seguir Jesus não se fica pelo plano da teoria, das boas intenções, dos bons pensamentos, mas implica-nos totalmente.
Testemunhar significa procurar em todas as situações viver os valores do evangelho e aceitar o desafio de ser sal da terra e luz do mundo de hoje. (Cf. Mt 5:13-14). Na linguagem atual, diríamos que somos chamados a ser influencers.O cristão é testemunha!
3. Formação
Os anciãos diziam:
“A alma é uma fonte: se tu cavas, ela purifica-se, mas se a enches de terra, ela morre”[4]
Os desafios que surgem hoje, exigem também dos cristãos uma formação contínua. Nesse aspeto, há vários movimentos da igreja que têm disponibilizado conteúdos de leitura através das plataformas digitais e livros; organizado formações e workshops sobre variados temas. É um trabalho constante de contínua aprendizagem e de partilha do que vamos aprendendo. Pela reflexão e pela leitura afinamos o nosso espírito crítico e a nossa capacidade de irmos para lá da superficialidade. O cristão é uma pessoa de profundidade!
Caminho para Deus
Disse ainda:
“O homem que ocupa o seu lugar não se perderá”[5]
Sabemos que Jesus caminha connosco ao encontro de Deus. Esta certeza liberta-nos do medo e dá sentido à nossa vida. Não estamos sós, sabemos de onde viemos e para onde caminhamos. Esta é a marca que o cristão é chamado a deixar pelo mundo: Deus ama-te, Deus está contigo, Deus não te abandona!
“Nada te perturbe, nada te espante,
Tudo passa, Deus não muda,
A paciência tudo alcança;
Quem a Deus tem, Nada lhe falta:
Só Deus basta.” (Santa Teresa de Jesus)
[1] Lamelas, Isidro Pereira, Padres do Deserto. Palavras do silêncio. Universidade Católica Portuguesa, 2019, p. 48.
[2] Grün, Anselm; Larson, Andrea J., Diz lá, tio Willi. Uma conversa sobre as grandes questões da vida. Paulinas, 2017, p.125.
[3] Lamelas, Isidro Pereira, Padres do Deserto. Palavras do silêncio, p. 125.
[4] Lamelas, Isidro Pereira, Padres do Deserto. Palavras do silêncio, p. 133.
[5] Lamelas, Isidro Pereira, Padres do Deserto. Palavras do silêncio, p. 151.