Jan 24, 2023 | A casa das libelinhas, Cultura

Bispo e poeta

A música dos dias

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I.

Cada dia é uma aventura
Um sonho feito de passos
Desenhados por ruas e avenidas
Por veredas e praças
Por sorrisos e abraços
Por rosas com espinhos
E orquídeas de alegria.

Cada dia é um poema
Pintado no sol e no vento
Nas ondas do mar e nas palmeiras
Com sabores de coco e sal
E desenhos de nácar e de coral
E de areia

Cada dia é uma tela
Onde traçamos a vida
Com as cores do amanhecer
E as nuvens do poente
Nos seus tons vermelhos quentes
Entre o sonho e o medo

Cada dia é uma página de um livro
Onde me escrevo
E descrevo
E me escrevem
E descrevem
E fazemos história

Cada dia é um presente de Deus.

II.

Dá-me a tua mão e vamos dançar
A dança da vida. Seremos um par
Rodopiando em valsas de Verão
Dá-me a tua mão.

Dá-me a tua mão e vamos pintar
Juntos o arco-íris do amor e da paz
E escrever nas estrelas uma canção
Dá-me a tua mão.

Dá-me a tua mão e vamos soltar
Os barcos dos sonhos no azul do mar
E nos perfumes da canela e do açafrão
Dá-me a tua mão.

Dá-me a tua mão e vamos voar
Nos voos das andorinhas a anunciar
A Primavera com sonhos de pão
Dá-me a tua mão.

Dá-me a tua mão e vamos ajudar
A erguer nas estradas das noites sem luar
Quem ferido implora por compaixão
Dá-me a tua mão.

Dá-me a tua mão e vamos partilhar
Os risos e os prantos do nosso caminhar
Juntos semearemos de rosas o nosso chão
Dá-me a tua mão.

III.

Dá-me as tuas mãos
Quero apertá-las
Quero segurá-las
Quero senti-las entre as minhas
E fazer pontes
É com as mãos que se fazem pontes
Que se destroem muros
Que se erguem catedrais de fraternidade e paz

Dá-me as tuas mãos
E vamos juntos semear os campos de trigo
Colher as amoras maduras do Verão
Plantar canteiros de rosas e jasmim
Vindimar as uvas doiradas do vinho novo

Dá-me as tuas mãos
E vamos pelas estradas a cuidar feridos
A cantar poemas de ternura e perdão
A abraçar os coxos e aleijados
A semear a luz da esperança e da alegria

Dá-me as tuas mãos
Vamos erguer bandeiras de fraternidade
Pintar o mundo com as cores da justiça
Desenhar ruas em forma de coração
Soltar os cantos da paz

Dá-me as tuas mãos.

IV.

Escuta a música dos dias
Escrita em pautas de chuva
E ritmos de sol e vento
Dançada em pistas de espuma
Que ondas
Macias e redondas
Acariciam e inventam

Escuta a música dos dias
E canta com alaúdes e liras
Harpas e oboés
Violinos e fagotes
Batuques e marimbas…
E dança em ritmos felizes
De samba e socopé
Do fandango e do vira
A música dos dias.

Escuta a música dos dias
Na sombra da floresta
Onde há banquetes de noivado
E cheiro a mel silvestre
E as libelinhas dançam
Ao ritmo dos compassos da água
Que corre livre
Acariciando as pedras
E sonhando o mar.

Escuta a música dos dias
Nas searas do Verão
E no sincelo dos dias frios
Que vestem o Inverno
E senta-te a contemplar o Outono
Em cada sol poente
E numa oração agradece
A vida.

Dom Manuel António Santos

Bispo e poeta

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