Fev 28, 2023 | Desafios, Mão na mão

Não há pessoa do passado, todos partilhamos o mesmo presente

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Envelhecer é um processo dinâmico complexo, simultaneamente coletivo e pessoal, natural, irreversível, contínuo e integrante do ciclo vital. O aumento da longevidade é em si um bem que tem desafios — nesta sociedade marcada pela pressa e pela velocidade como pode a pessoa idosa continuar a ser (quase) invisível?

O aumento da longevidade é em si um bem, mas acarreta desafios. Em Portugal, e de acordo com o Censos 2021 temos 182 pessoas idosas por cada 100 jovens. Sem dúvida números desafiantes. Um desafio geralmente incita ou provoca o outro. De um desafio pode, portanto, resultar uma ação. Haverá melhor e maior ação do que nos predispormos a colocar a mão na mão do outro? Chegados aqui urge dizer a verdade: já passou o tempo da mão na mão. Precisamos desesperadamente de mãos nas mãos.

Independentemente da idade, todos nós partilhamos o mesmo presente. Isto é: não há pessoas do passado, o que nos distingue é a lonjura da nossa história sendo a incerteza quanto ao futuro…igual para todos.

Partilhamos o mesmo presente…multidões…todos os dias, mas ainda assim parece que a pessoa idosa passa despercebida. As idades tardias confrontam-nos com a finitude e tudo aquilo que hoje se venera. Não é de agora. S. João Paulo II na Carta aos Anciãos elenca uma quantidade de argumentos que mostram bem a antiguidade dos desafios associados à idade. Vale muito a pena ler este documento precioso.

Mão na mão. Não há outra forma de viver em comunhão. Se imaginarmos um comboio em andamento, e em que os diferentes passageiros entram e saem pelas diferentes portas das diferentes carruagens, conseguimos perceber que partilhamos a mesma viagem.[1] O mesmo presente. O que fará com que as pessoas idosas sejam invisíveis no nosso presente? Como devolver-lhes a visibilidade?

São perguntas aparentemente fáceis, mas são muito difíceis de responder. Mas na realidade há fenómenos extremos de preconceito, contra a pessoa idosa, capazes de levar ao desejo de morrer, e, à aceitação social desse desejo reforçada com legislação a propósito.[2] Vejamos as causas encontradas por Wijngaarden e colaboradores para a experiência de desconexão nas idades tardias: 1) solidão; 2) a dor de não importar; 3) a incapacidade de se expressar; 4) cansaço físico e/ou tédio existencial; e 5) medo e aversão à dependência[3]. Assim encontramos aqui cinco desafios para aliviar a sofrida invisibilidade dos adultos mais velhos no nosso presente, o mesmo é dizer, cinco pistas para conseguir alcançar a mão na mão.

Envelhecer, isto é, avançar na reta do tempo vivendo mais anos, é um processo dinâmico complexo, simultaneamente coletivo e pessoal (entre o eu, o corpo e a sociedade). Este processo é mais complexo (para quem envelhece e para os outros) do que a contagem ou soma dos anos que se vive.

Nunca podemos perder de vista que o envelhecimento humano é um processo natural, irreversível, contínuo e integrante ao ciclo vital, sendo que a este processo se pode chamar o desenvolvimento humano ao longo da vida. E, o envelhecimento não é sinónimo de doença nem prediz uma fatalidade, sendo importando referir que em cada fase da vida os indivíduos têm um olhar próprio sobre a realidade.[4]

Devolver a visibilidade para poder aceitar o desafio de mão na mão. Neste sentido talvez o princípio desta nova narrativa seja o reconhecimento de que ninguém “acorda” uma pessoa idosa. Tal como ninguém acorda jovem ou adulto. Os 65 anos marcam uma entrada fictícia na velhice. Esta entrada prende-se com questões de ordem burocrática, mas o seu impacto na vida de cada um e na sociedade é grande.

Para ajudar as mãos que se estendem (de ambos os lados) recordamos Vaillant, que durante anos liderou o maior estudo longitudinal de sempre. Refere o autor que as opções que se fazem ao longo da vida têm impacto nas idades tardias, ou seja, são relevantes e relacionadas diretamente com uma boa velhice. O referido autor elenca sete indicadores com impacto no bem-estar em idades tardias:

i) as amizades e boas companhias que se fazem ao longo da vida. Estas amizades têm maior impacto na vida do que os eventos negativos;
ii) dedicar-se a alguém de forma genuína;
iii) um bom casamento aos 50 anos é mais relevante para o bem-estar aos 80 anos do que o nível de colesterol considerado bom;
iv) consumo controlado de estimulantes, tabaco e álcool;
v) ocupar o tempo de forma saudável;
vi) cultivar as relações sociais, cultivar a curiosidade intelectual e manter as aprendizagens ao longo da vida. Estes aspetos, depois da reforma, revelam ser mais impactantes no bem-estar dos indivíduos do que o valor monetário da própria reforma;
vii) o bem-estar subjetivo, isto é, sentir-se bem, porque a saúde subjetiva revela ter mais impacto no processo de envelhecimento do que efetivamente ter saúde.

Ficamos agora com sete pistas para que a nossa mão se possa estender verdadeiramente.

O envelhecimento humano é o desenvolvimento humano ao longo da vida[5], e este desenvolvimento pode ser integral – Desenvolvimento Humano Integral. Foi Paulo VI quem cunhou este conceito na Encíclica Papal Populorum Progressium. “desenvolvimento de cada homem e do homem inteiro” (n. 14). Mão na mão…integralmente e ao longo da idade.


[1] d’Araújo, M. A., Alpuim, M., Rivero, C., & Marujo, H. Á. (2016). Narrative practices and positive aging: A reflection about life celebration in a group of old women. Women & Therapy, 39(1-2), 106-123.

[2] Van Wijngaarden, E., Goossensen, A., & Leget, C. (2017a). The social–political challenges behind the wish to die in older people who consider their lives to be completed and no longer worth living. Journal of European Social Policy,. doi:10.1177/0958928717735064

[3] Van Wijngaarden, E.J., Leget, C.J.W., Goossensen, A. (2015a) ‘Ready to Give Up on Life: The Lived Experience of Elderly People Who Feel Life Is Completed and No Longer Worth Living’, Social Science & Medicine 138: 257–64.

Van Wijngaarden, E.J., Leget, C.J.W., Goossensen, A. (2015b) ‘Till Death Do Us Part: The Lived Experience of an Elderly Couple Who Chose to End Their Lives by Spousal Self-Euthanasia’, The Gerontologist 56: 1062–71.

[4] Vaillant, G. E. (2003). Aging well. New York, NY: Little Brown. Vaillant, G. E. (2008). Aging well: Surprising guideposts to a happier life from the landmark study of adult development. Hachette UK.

[5] Vaillant, G. E. (2003). Aging well. New York, NY: Little Brown.

Maria Alexandra d'Araújo

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