O arco da nossa existência é marcado por ritmos, etapas, com avanços e recuos. Na minha última partilha neste espaço claustral referi-me à importância do itinerário que o Papa Francisco propôs para os jovens que descobrem a sua vocação ao sacramento do matrimónio. Inspirado no itinerário catecumenal, o Papa Francisco propõe três fases: a fase remota, com a apresentação da vocação matrimonial às crianças, adolescentes e jovens; a fase intermédia, com o acolhimento dos candidatos ao matrimónio, com um rito específico; e a terceira e última fase, a catecumenal, com três etapas, a preparação próxima (cerca de um ano), com um rito próprio; e a preparação imediata (com alguns meses de duração), com um retiro de preparação; e, por fim, a celebração do sacramento. O Papa propõe ainda um acompanhamento especial nos primeiros 2 a 3 anos de casados sem deixar descuidar o alimento do sacramento ao longo de toda a vida.
Tendo em conta este itinerário, proponho-me hoje tecer algumas considerações sobre a proposta do casamento no conjunto do panorama vocacional que a Igreja oferece a todos os batizados. Além da vocação matrimonial, a Igreja propõe às crianças, adolescentes e jovens a vocação à vida consagrada, com as suas variadíssimas formas, e a vocação sacerdotal. A vocação laical, além da sua nobre expressão no matrimónio, também se realiza em várias formas de vida celibatária. Todas as vocações têm a mesma dignidade e são caminho de felicidade e santidade.
A palavra vocação deriva do latim vocare, ou seja, chamar. Uma vocação é um chamamento a dar um sentido profundo e plenificante a toda a vida, dentro de um grande projeto com uma identidade e missão específicas. Em princípio, ninguém abraça um projeto de vida, para toda a vida, sem se sentir chamado, sem identificar um conjunto de sinais que apontam para uma destas quatro vocações: matrimonial, laical celibatária, sacerdotal ou consagrada.
Antes de abraçar uma vocação, é necessário fazer um discernimento sobre os sinais de chamamento para um destes quatro grandes grupos de vocações. Por isso, hoje é urgente oferecer oportunidades de discernimento vocacional, próprio da etapa da adolescência e primeira juventude, em ordem a clarificar uma opção para toda a vida. Habitualmente, relacionamos o discernimento vocacional mais com a vocação à vida consagrada e sacerdotal do que com a vocação ao casamento. Ora, também o matrimónio precisa de estruturar esta etapa para que nenhum jovem avance para este grande projeto de vida por inércia, porque é costume, porque a maioria dos jovens casa, tem filhos, preocupa-se com a sua educação e sustento. É verdade que, felizmente, a maioria dos jovens ainda vê no casamento – nem sempre com o seu valor de sacramento – um projeto de vida e felicidade pelo qual vale a pena entregar a própria vida. Mas uma coisa é casar-se quase por inércia e outra é casar-se porque se sente chamado ao casamento, porque há realmente uma vocação clara à vida matrimonial e parte-se para ela, consciente das suas alegrias e exigências, dos compromissos e deveres que ela implica.
Todos nós conhecemos casais felizes (e o mesmo se poderia dizer dos sacerdotes ou religiosos/as) que cuidam a sua vida relacional de todos os dias; todos conhecemos famílias em caminho, em construção permanente do ideal de unidade e comunhão que Deus pensou para elas; mas também conhecemos casais que, após os primeiros meses ou anos de compromisso, caem na conta que deram um passo em falso que, afinal, a sua vocação não seria bem esta, ou então, que não seria com este marido ou esta mulher que, porventura, não partilha dos mesmos ideais e valores sonhados para uma vida a dois. Conhecemos todos a percentagem elevada de divórcios, seja no casamento sacramental ou no casamento dito civil; não quero entrar neste tema mais complexo e doloroso na vida de qualquer pessoa, mas refiro-o porque nos é fácil deduzir que um bom número de divórcios acontecerá por não ter havido um adequado discernimento vocacional; os jovens não tiveram oportunidades para ponderar as diferentes vocações e refletir sobre a forma mais concreta como queriam realizar aquela a que se sentiam chamados.
É importante, por isso, falar de todas as diferentes vocações eclesiais aos jovens, sobretudo a partir da adolescência; é necessário falar do valor, sentido e missão de cada vocação no seio da Igreja e da sociedade; é necessário, desde cedo, aprender a identificar, ler e interpretar os sinais específicos de cada vocação, a fim de os clarificar e se comprometer com eles; também é de extrema importância aprender a valorizar as outras vocações (sacerdotal, consagrada, missionária, laical celibatária, secular, etc) e descobrir a riqueza da complementaridade, pois cada uma realiza-se melhor se estiver em relação com as outras vocações. Por exemplo, para mim, consagrado e sacerdote, é muito importante estar em contacto frequente com casais e famílias, com leigos e missionários, a fim de descobrir os imensos dons, carismas, valores que estas vocações encerram e como enriquecem a minha e me ajudam a ser um padre e homem servidor de todas elas, a partir da especificidade da minha opção de vida.
Portanto, um itinerário vocacional começa, exatamente, com o cultivo de uma cultura vocacional, com a oferta de oportunidades de discernimento vocacional oferecidas, sobretudo, aos adolescentes e jovens. Em Fátima, onde resido, tenho tido uma experiência pastoral muito rica neste campo com os encontros de discernimento vocacional – o Rumos. Estes encontros começam exatamente por ser preparados, rezados e realizados por uma equipa de casais, sacerdotes e consagrados, a fim de oferecer aos jovens o contacto com a pluralidade de experiências vocacionais e assim descubram o seu próprio caminho, investindo nele todas as forças a fim de construir uma vida feliz e fecunda na igreja e na sociedade.