A celebração de efemérides especiais das nossas vidas são sempre momentos privilegiados para agradecermos tantos dons, maravilhas, graças e alegrias recebidas. Naturalmente, a comemoração de mais um ano de vida é ocasião especial para reunirmos os nossos mais queridos, agradecermos o ano trilhado e lançarmo-nos com confiança e esperança para o futuro.
No ano passado tive a graça de celebrar o meu vigésimo sexto ano de vida na companhia da minha comunidade de Braga – que me acolheu e acompanhou ao longo de um ano – e da minha mãe que, desde Viseu, subiu ao Minho para passar connosco este dia especial. Comemorar o aniversário natalício de um filho é sempre uma celebração conjunta: do filho que faz anos e dos pais que recordam agradecidos o nascimento do seu rebento. Por isso, podermos celebrar juntos mais um aniversário, entre família de sangue e de coração, foi verdadeira bênção.
Após solene e minhoto repasto, urgia prolongar a festa. Surgiu a ideia – em boa hora! – de um passeio pelas paisagens do Gerês. Unanimemente aplaudida, a sugestão foi acolhida e partimos rumo ao Santuário de São Bento da Porta Aberta, em Rio Caldo, aproveitando para errarmos por esses caminhos de beleza inefável.
Ao final da tarde, quando tornávamos à cidade dos arcebispos, passámos por pequenina terra, mas bem conhecida por ter dado à luz um famoso artista português. Falamos de Fiscal, em Amares, berço de António Variações. Decidimos parar e observar o monumento que aquela freguesia tributou ao excêntrico cantor: um busto de perfil, ousado e revelador do carácter de Variações, nome artístico de António Joaquim Rodrigues Ribeiro (Amares, 1944 – 1984, Lisboa).
Ali recordei quando, nos meus tempos de menina e moça, o nosso pai não permitia que as minhas irmãs e eu o víssemos na televisão, não nos fôssemos nós escandalizar pela sua indumentária (ou a falta dela!). O pai só autorizava que ouvíssemos a sua voz na rádio. Aliás, quando o viu pela primeira vez, ficou admirado. Como era possível que um artista que se apresentava daquela forma tão extravagante podia cantar tão bem?!
Lá em casa, todos sabiam que eu gostava muito do António Variações. No dia 13 de junho de 1984, estava eu a regressar a casa quando, do cimo das escadas, ouço a minha irmã Sandra, muito tristonha, com os seus catorze anos, anunciar-me: «Ó minha Belitinha, morreu o António Variações!».
Contudo, aquela homenagem a António Variações não se fica pelo busto. Por detrás, podemos observar um painel com o rosto do Artista e a letra de um tema seu do álbum Dar & Receber (1984): Deolinda de Jesus. Trata-se de um preito prestado por um filho – António – a sua mãe, de nome Deolinda de Jesus.

Fiscal deu à luz António Ribeiro-António Variações, como dissemos. Mas Deolinda é a sua mãe, recordada pelo Artista com enorme carinho e ternura, como podemos ler:
A minha mãe
É a mãe mais bonita,
Desculpem, mas é a maior,
Não admira, foi por mim escolhida,
E o meu gosto, é o melhor,
E esta é a canção mais feliz,
Feliz eu que a posso cantar,
É o meu maior grito de vida
Foi o seu grito, o meu despertar,
Canção de mãe é sorrir,
Canção de berço de embalar,
Melodia de dormir,
Mãe ternura a aconchegar,
Canção de mãe é sorrir,
Gosto de ver e ouvir,
Voz imagem de sonhar,
Imagem viva lembrança,
Que faz de mim a criança,
Que gosta de recordar
A minha mãe,
É a mãe mais amiga,
Certeza, com que posso contar,
E nem por isso, sou a imagem que queria,
Mas nem sempre me soube aceitar,
Razão de mãe é dizer,
Mãe cuidado a aconselhar,
Os cuidados que hei – de ter,
As defesas a cuidar,
Saudade mãe é escrever,
Carta que vou receber,
Notícia de me alegrar,
Cartas visitas encontros,
Essa troca que nós somos,
Este prazer de trocar,
Canção de mãe é sorrir,
Gosto de ver e ouvir,
A ternura de cantar.
Como mãe e filho, enterneceu-nos lermos em conjunto este belíssimo poema em celebração natalícia. Cantarolando a melodia, recordámos este magnífico tema, eternizado pelo próprio compositor e pela interpretação excelsa de Isabel Silvestre.
Este poema, como suave ária, paira e pousa no nosso coração como doce melodia. Afinal, todos somos filhos e não ficamos indiferentes perante os sentimentos, as imagens, as auguradas palavras que um filho devotamente dirige a sua mãe.
Cantar a palavra mãe é balbuciar tamanha ternura e carinho que nos assemelhamos a infantes que somente sabem abrir os seus braços para se acolherem em tão seguro colo. Mãe, de facto, é a canção mais feliz que podemos trovar, é grito silencioso de vida que é graciosamente tributado, é berço de embalar, o melhor repouso que poderemos algum dia ter e encontrar.
Cantarmos a nossa mãe é viajarmos até esse regaço onde nos sentimos tão bem, é rasgarmos no horizonte essa saudade que, afinal, é como trocar cartas onde agradecemos aquilo que somos. Sim, mãe é a palavra mais bonita, é o pulsar do coração que bombeia vida, é o braço e peito amigos onde ouvimos essa amena melodia de dormir.
Estes versos adequam-se perfeitamente ao mês em que nos encontramos. O mês de maio é o mês de Maria, o mês da Mãe e das mães. Hoje, primeiro domingo deste mês maternal, celebramos o Dia da Mãe. É verdade que tradicionalmente este dia era comemorado a 8 de dezembro. Mas não deixa de ser belo escolher o primeiro domingo de maio para recordarmos todas as mães sob o olhar da Mãe do Céu.
Maio é sinónimo de luz, de primavera, de vida renovada, da natureza a despontar e a florir. Maio é um retrato belo daquilo que representam as mães e a Mãe: cenários e paisagens de alvura, candura e plácido grito de amor.
Mãe é sinónimo de luz, de sonho embalado, de sorriso que rasga horizontes, de ternura que aconchega, de colo seguro, de comunicação de vida. Cada um de nós pode afirmar que a minha mãe é a mãe mais bonita ou que não há melhor mãe que a minha. E Jesus? O que diria Ele ao ler os versos de Variações?
A vida de Jesus foi um poema de amor. Se a todos nos ama de forma incondicional, Maria não é exceção. A Virgem de Nazaré goza desde toda a eternidade de uma predileção por parte de Deus. Ela é a cheia de graça, aquela por quem Deus se enamorou e lhe pediu, tal qual um cavaleiro que se dirige à sua donzela, para ser a mãe do Seu próprio Filho.
A incarnação do Verbo eterno e o sim de Maria são a maior declaração de amor da história da Humanidade. A salvação e a redenção de toda a Criação são a mais bela das sinfonias onde todos participam da melodia do amor. Maria, a toda pulcra, é a primeira criatura a participar desse festim com sabor a eternidade. Com ela, somos todos convidados a seguir os passos de Maria rumo ao coração de Deus.
Nos evangelhos reconhecemos em Maria a mulher e a discípula por excelência, a escrava do Senhor, aquela que tudo guarda e medita no seu coração florido das maiores graças e virtudes, a mulher atenta que aponta sempre para o cumprimento da vontade de Deus, a mãe que, de pé, está junto de Seu filho crucificado.
Maria é, assim, incarnação da ternura de Deus e do Seu amor loucamente apaixonado por cada um de nós. Ao longo deste mês de maio, quando entramos em qualquer igreja, vemos como os fiéis adornam o seu altar e entronizam aprumadamente a Virgem Mãe. Ao contemplarmos o seu olhar carinhoso, caímos a seus pés de lágrimas nos olhos e flores nas mãos para lhe entregarmos os nossos passos, as nossas dores, enfim, a nossa vida.
Nos rosários que se multiplicam por esse mundo fora em louvor da Virgem Maria e nas contas de cada terço que as mãos sofridas e calejadas perpassam, reconhecemos os corações de tantos que se sabem meigamente aconchegados no colo de tão doce mãe.
Jesus poderia perfeitamente dizer que a sua mãe é a mãe mais bonita. Não discordaríamos, está claro. Mas o Seu amor é tão grande e infinito que Ele, do alto da cruz, nos entregou a Sua própria mãe como nossa mãe. Filhos de Deus e filhos de Maria. E esta Mãe terá apenas olhos para seu Filho primogénito? Não! O coração de Maria transborda de ternura por todos nós, seus filhos. Prova disso é o seu escapulário que nos deixou como sinal de proteção e de que, por mais que todos nos faltem, ela nunca nos faltará. O escapulário de Nossa Senhora do Carmo é o afeto da mãe feito carne num pano que nos cobre da nossa nudez, das nossas fragilidades e pecados, das nossas dúvidas e noites. Revestirmo-nos do escapulário significa colocarmo-nos nos braços da Virgem do Monte Carmelo e junto de seu filho Jesus. O escapulário é veste nupcial que se nos oferece como declaração de um amor maior.
Maria é, enfim, sinónimo da canção mais feliz, de grito de vida, de sorriso, de aconchego, de conselho, de cuidado, de ternura. Faltarão sempre palavras para falarmos das nossas mães, mais ainda da Mãe do Céu. Calem-se, pois, as palavras e cante o coração agradecido pelo dom e graça que recebemos do Amor que se fez carne no seio de Maria: a nossa mãe é a mãe mais bonita.
Feliz dia da Mãe, mãe!