Pela sua amorosa simplicidade, Teresinha é uma irmã acessível, generosa, sequiosa de nos transmitir os abundantes favores que recebe de Deus. A sua preocupação para connosco vai ao ponto de querer que aprendamos o seu método através do qual «o Evangelho lhe ensina.… e o seu coração lhe revela». Um método em que o seu coração repleto da Palavra lhe faz «compreender o sentido oculto dos factos[1]. Escreve-se este texto num ímpeto de amor e gratidão a Santa Teresinha; e também para comemorar os cem anos da sua beatificação, em Roma, pelo Papa Pio XI, quando nem trinta anos tinham volvido sobre o dia da sua morte.
Espera!
Minha querida Teresinha, hoje, um dia pleno de amor, como quase todos na tua curta existência, saíste para o claustro, a tua claraboia para o mundo onde exercitas através dos sentidos algumas das tuas práticas interiores; e onde te munes através dos sentidos e tudo guardas no teu amoroso coração para mais tarde compreenderes.
Entre paredes, seria de esperar do claustro um lugar ascético, austero. Mas é tudo menos isso! O sol… doura a copa das árvores altas, nas quais os passarinhos cantam alegremente a sua oração da tarde[2], e com o seu chilreio, em uníssono, entoam a beleza infinita de Deus.
Vejo-te nesse bem-aventurado jardim, sentada num baixinho muro de pedra, de olhos fechados, só, como se neste mundo não existisse nada fora do teu Deus. As pedras do murinho onde te sentas são firme aceitação da sua função de te suportar de maneira segura e estável; neste momento de graça, nenhum outro elemento ou criatura te distrai ou perturba, nem aquele lugar. Em espera te esvazias do pouco mundo que residualmente ainda te habita. Em morna quietude, as tuas mãos orantes descansam no teu regaço, sobre o escapulário, ligeiramente abertas para receber – são mãos vazias!
Em total entrega e harmonia, por olhos cerrados, como se noite bem escura fosse, a tua audaciosa fé traz-te avassaladora clareza e nitidez: tudo vês desempoeirado, lavado e polido pela carícia de Deus. A alegria é indizível! Mas, se possível … a revelação é ainda maior!
Teresinha querida, assim te vejo a falar com Deus.
Entrega!
Abres-Lhe as profundezas do teu coração, de par em par; entregas-lho, suspenso em mistério de calmo sofrimento, pois o coração precisa ser trespassado para que dele brote a esperança e o amor se concretize. Aqui, a Mãe Santíssima foi porventura o teu maior exemplo.
A cheia de graça de Nazaré, vivendo pobremente, em espírito e em substância, conservava todas as coisas, o que ouvia e via, ponderando-as no seu coração, não querendo nada mais, nem arroubamentos, nem milagres, nem êxtases[3]. Mas a ti Florzinha predileta, a Mãe te sorriu! Foi-te instruindo que «é com a paz que uma colheita de justiça é semeada»[4]. Como? Ensinando-te a ser pequenina, alegre, adaptável, trocando os conflitos pela contemplação da natureza em ação. Remédio santo!
A Mãe Santíssima em muito te ajudou na escada de muitos degraus até ao Calvário do seu amado Filho, que Simeão, sem subtilezas, lhe vaticinou – o seu exemplo de vida é uma progressão de um coração trespassado, movido pela compaixão por Jesus e por todos nós em terra de exílio, seguindo sempre o seu Divino Filho até à plenitude no Céu; e perpetuamente aponta-nos o Caminho, Ele!
Mas as tuas mãos continuam leves, sem nada para carregar, sem obra para obrar.
O dom dos teus Escritos
Sim, vazias! Sem grandes feitos ou obras construídas sobre rocha firme – sem pequenas igrejas ou imponentes basílicas, sem fundações de conventos ou de hospitais, nem sequer foste missionária pela ação!
Num pensamento fugaz, descortino a tua sensação de pequenez perante Jesus que te diz: dá-me o teu coração! Escuta! Desvendar-te-ei os meus segredos!
Sentes um sopro de brisa suave – alegre inocência! Em sussurro, algumas palavras gravam-se como selo no teu coração[5]. Uma a uma, essas falas soltas vão-se agrupando num esboço de frase, espontaneamente gerando conceitos em conformidade com a vontade de Deus, amplos e abrangentes, doutos, que te edificam, mas também a nós! Estes escritos valeram-te o mais alto grau na hierarquia da Igreja de Cristo.
Como compreendo eu os teus maravilhosos escritos, minha Santa e Doutora?
Fraca e imperfeitamente, pois a aparente simplicidade da tua mensagem para os séculos é riquíssima em Sabedoria Divina.
Sei que foram gerados na obediência, e que estão impregnados de amor, essa faculdade espiritual que é própria da alma, e à qual a mente e o corpo físico assistem na prática. Desde a tua meninice, um amor meio humano meio sublime já circulava, como elo inquebrável, pela tua abençoada família.
Sei que antes de pegares na pena, te ajoelhaste diante da imagem de Maria[6], pois sabias, verdadeiramente, que tudo o que a ela agrada, alegra o Filho.
O meu imperfeito discernimento diz-me que se entranhamos estes teus Escritos com empenho, na alma e no coração, não só o nosso intelecto se expande, como também somos transformados pela contemplação, e nos convertemos em adoradores da Santa Face de Deus. Antevejo uma experiência em dinâmica ascendente, ser-se elevado ao Alto, e o Altíssimo a tomar conta de nós em todos os sabores e dissabores da subida do Monte, desde o princípio, até ao fim último que são os braços de Jesus e os do Pai.
E, nessa subida, ocasionalmente, os favores, o impossível e os milagres acontecem – como num desenlear de novelo que se vai esticando e descomplicando com esperança renovada; como fogo que redobra a sua força na água[7].
Tudo isto achamos ao trilhar os teus caminhitos: a humildade, a confiança e o abandono, que nos bastam, pois são pilares da nossa vocação carmelita e cristã, alicerçados em rocha firme, mostrando e proporcionando-nos pequenos momentos de contemplação do Amado, na graça de participarmos um pouquinho da Sua eternidade, pois, como dizias à tua amada Celina «a vida passa… A eternidade avança a passos largos… bem depressa viveremos da mesma vida de Jesus…»[8].
Nós, e tantos mais, recorremos a ti, Teresinha, e queremos, sob o teu favor, e levados por mão tua, progredir nesta vida para, na eterna, estarmos contigo, nossa querida irmã no Carmelo e na vida. Contigo, que para nosso benefício, escolheste passar o teu Céu fazendo o bem sobre a terra[9] em obséquio e sob amparo da Virgem Santíssima nossa Mãe. (Ah, querida irmã, e parabéns pelos teus 100 anos de beatificação! Que memória feliz par ti, para nós! E como tão bela tem sido a tua chuva de rosas! Obrigado!)
[1] Poesia 54, introdução.
[2] Ms A [50rº].
[3] Poesia 54, 17.
[4] Tiago 3, 13-18.
[5] Cântico dos Cânticos 8,6.
[6] Ms A [2rº].
[7] Sabedoria 19, 20.
[8] Carta 85, A Celina.
[9] UCR, 17 de julho.