“Somos responsáveis e chamados a darmos o primeiro passo no testemunho do Amor depois de nos deixarmos envolver, ou antes engolfar no Amor de Deus, numa profunda vivência de uma Empatia Trinitária que desemboca numa empatia para com o outro. Daqui nasce uma vocação para a doação de tudo o que somos à Igreja, a Cristo, elevando nesta doação a humanidade à presença da Trindade. Nesta oração profundamente empática e amorosamente cúmplice, o Céu acontece já hoje.”
Iniciamos hoje o nosso caminho pelo Claustro com uma oração de Santa Teresa Benedita da Cruz ao Espírito Santo.
Espírito Santo
Quem és tu, doce luz, que me enche
e ilumina as trevas do meu coração?
Tu me guias como a mão de uma mãe
E se me deixasses ir,
não saberia dar nem mais um passo.
Tu és o Espaço que envolve
O meu ser e o mantém dentro de si.
Libertado de Ti, ele afundar-se-ia
no abismo do nada,
do qual tu o ergas para a Luz.
Tu, mais próximo de mim do que eu próprio
e mais interior do que o meu mais íntimo
e, no entanto, intangível e incompreensível
e para além de todos os nomes:
Espírito Santo – amor eterno!
Não és Tu o doce maná
que do Coração do Filho
inunda o meu coração,
o alimento dos anjos e do bem-aventurado?
Aquele que ressuscitou da morte para a vida,
também me ressuscitou para uma nova vida
do sono da morte.
E uma nova vida Ele me dá de dia para dia,
e um dia uma plenitude fluirá através de mim
Vida da tua vida – sim, Tu mesmo:
Espírito Santo – vida eterna!
És tu o raio que brilha do trono do juiz eterno
e irrompe na noite da alma,
que nunca se conheceu a si mesma?
Misericordioso – inexorável
Ele penetra nas dobras ocultas.
Aterrorizada pela visão de si mesma
concede espaço de santo temor,
o início da Sabedoria
que vem do alto.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein, nasceu em Breslau, Alemanha (atualmente Wroclaw, Polónia), a 12 de Outubro de 1891, numa família judia e profundamente religiosa.
Augusta Courant, mãe de Edith, era admirada e acarinhada por toda a família. Era uma mulher determinada, íntegra, corajosa, com uma profunda vivência religiosa nas tradições judaicas. Recebera ainda na sua educação o valor do respeito pela pessoa humana e pelas outras religiões. A fé judaica é vivida com intensidade na família de Edith Stein através das festas com os seus ritos, tradições e cerimónias, estimulando assim também a relação com Deus.
Augusta casa aos 21 anos com Siegfried Stein, ficando a residir em Gleiwitz. Posteriormente decidiram instalar-se em Breslau como comerciantes de madeira.
Edith Stein é a mais nova de 11 irmãos, 4 dos quais falecidos ainda pequenos. A vida e a morte caminhavam lado a lado neste lar.
Aproximadamente um ano depois do nascimento de Edith, o pai morre com 50 anos no meio de um bosque devido a uma insolação. A mãe não se deixa abalar. Com fé, energia, coragem e determinação, assume o negócio e fá-lo prosperar.
A união e o sentido de pertença na família são reforçados com o empenho em viver com intensidade as festas judaicas e as festas familiares, como por exemplo os aniversários.
Desde cedo Edith aprende os valores da honestidade, verdade, determinação, simplicidade de vida, sentido de família e de pertença a um povo e o valor da Fé. Mais tarde irá colocar em causa e mesmo abandonar esta fé.
De entre os seus irmãos e irmãs, podemos destacar Rosa (1883) que se dedicou à família e às tarefas domésticas. Rosa compreendeu a conversão de Edith ao catolicismo, tendo seguido a irmã para o Convento (Ordem Terceira Carmelita), depois da morte da mãe. Erna (1890) formou-se em Medicina, casou e teve 2 filhos e era companheira inseparável de Edith: estudavam, brincavam e eram cúmplices.
Edith Stein manifestava grande inteligência, vivacidade e buscava experimentar, pesquisar, ler e estudar. Para além da escola, também brincava, convivia e mantinha amizades.
Quando entrou para a escola, mostrou-se dedicada, aplicada e perspicaz, contrastando com as suas capacidades para o trabalho doméstico. Gostava de Alemão e História, manifestando capacidade crítica e de análise. Vai crescendo torna-se uma jovem com paz interior, humilde, simples e equilibrada. Era também sensível e retinha em si o que observava e vivia, facilitando-se assim a sua abertura ao Transcendente e à vida mística. De forma terna e misteriosa, vimos aqui como Maria também já infundia as suas virtudes em Edith sem que esta se percebesse… Edith meditava e conservava tudo no seu coração:
«Desde a mais tenra infância levei uma curiosa vida dupla, oferecendo aos observadores externos umas mudanças incompreensíveis bem como súbitas transformações. Nos meus primeiros anos de vida era como um azougue, viva, sempre em movimento, de génio explosivo, atrevida e intrometida. Além disso indomável, voluntariosa e colérica quando algo me contrariava. A minha irmã mais velha, a quem eu queria muito, tinha empregado inutilmente comigo o seu juvenil saber pedagógico. O seu último recurso foi fechar-me num quarto escuro. Quando via aproximar-se esse perigo, atirava-me ao chão e a minha encantadora irmã só com grande esfoço me podia levantar e levar-me. Na escura prisão não entrava de modo nenhum a razão, mas gritava com todas as minhas forças, dando murros na porta, até que finalmente a minha mãe dizia que aquilo não podia continuar, pois não ficava bem para os vizinhos e libertava-me.
Isto é o que podiam ver de fora os meus familiares. No entanto no meu interior havia um mundo escondido. Tudo o que via e ouvia durante o dia o analisava por dentro.
(…)
A primeira mudança importante operou-se em mim quando tinha uns sete anos. Não saberia dizer se foi motivada por uma causa externa, somente posso afirmar que a partir de então começou a prevalecer em mim a razão. (…) A minha anterior obstinação parecia ter desaparecido e nos anos seguintes fui uma menina facilmente manejável. Se desobedecia ou dava uma resposta inadequada, pedia de seguida perdão, ainda que me custasse, e sentia-me feliz quando se restabelecia a paz. As explosões coléricas foram rareando, tendo logo alcançado um autodomínio tal que quase sem luta nenhuma podia manter uma paz harmoniosa.»
Aos 14 anos decidiu parar de estudar, por não encontrar no estudo respostas para as questões que se colocava, tendo rumado a casa da irmã Else, em Hamburgo, para lhe fazer companhia e para ajudar com os sobrinhos e a vida doméstica. Um pouco mais cedo, pelos 13 anos, acontece também a crise religiosa. Dez meses depois regressa à escola e recupera o tempo perdido com aulas particulares.
Aos 19 anos termina o bacharelato e escolhe descansar. Manifestava também agora um grande equilíbrio entre a vida pessoal, familiar e social. Quando avança para os estudos universitários, não se sente totalmente realizada, sentindo um vazio interior que a levará à busca e a conduzirá ao Transcendente. Determinou-se na busca pela Verdade, na busca de um sentido para a vida.
Matricula-se na Universidade de Breslau, onde estuda Psicologia, História, Germanística e Filosofia. Envolvia-se também nas atividades estudantis. No estudo da Psicologia não encontra respostas para as questões que se colocava sobre a essência da alma. Nesta altura inicia as suas leituras nas Investigações Lógicas de Edmund Husserl e sente-se atraída por estes, assim como pela filosofia fenomenológica.
A convite de um primo, vai estudar, com apoio da mãe, para a Universidade de Göttingen, onde Husserl era figura central. Outros grandes nomes da Filosofia tiveram influência na formação de Edith Stein. No entanto, é com Husserl que prossegue para a realização da sua tese de Doutoramento sobre a Empatia, que deriva do seu desejo em conhecer e compreender o ser humano. Encontramos nesta sua tese um conteúdo riquíssimo sobre o ser humano e a sua relação com o outro e também com o Transcendente:
“A Empatia (…) é a experiência da consciência estrangeira em geral, independentemente do tipo de sujeito que a experimenta e do tipo de sujeito cuja consciência é experimentada.
A experiência que um “eu” como tal tem de um outro “eu” tem estas características. É assim que os seres humanos compreendem a vida psíquica dos outros. Também como crentes, compreendem o amor, a raiva e os preceitos do seu Deus desta forma; e Deus não pode compreender a vida das pessoas de nenhuma outra maneira. Como possuidor do conhecimento completo, Deus não se engana sobre as experiências das pessoas, assim como as pessoas se enganam sobre as experiências umas das outras. Mas as experiências das pessoas também não se tornam próprias de Deus; nem têm o mesmo tipo de doação por Ele.”
Para além de referir uma ligação muito profundo que um ser humano é capaz de estabelecer com o outro, uma compreensão profunda, revela aqui também a abertura e a possibilidade de Deus e a possibilidade de empatia com Deus. Admitindo a possibilidade da Transcendência, a possibilidade de Deus, considera que Este nos conhece profundamente, de forma perfeita e nos ama incondicionalmente, tendo para connosco uma empatia perfeita. Como seres humanos, não temos a mesma compreensão do outro como Deus tem, embora possamos fazer caminho e aprender com Ele. Somos assim levados a um movimento de ação de graças por esta profunda empatia, acolhimento, compreensão em que Deus nos mergulha e envolve. Só deixando que Ele assim nos envolva, podemos também aprender e ter esta Empatia para com o próximo.
Parece que aqui Edith já fala de oração noutros termos: num diálogo profundo, amigo, terno entre amigos – Deus e o nosso ser. De certa forma, convida-nos à escuta, à procura desta Presença, deste Modelo belíssimo de amor que deriva de uma Comunhão com a Santíssima Trindade e nos ensina a formar uma fraternidade humana à Imagem e Semelhança do Três. De uma forma tão bela e profunda indica-nos que a Empatia deriva de Deus.
Mais tarde, no texto “A oração da Igreja”, irá aprofundar de forma bela e única o que começara a perceber, como podemos ver nestes dois excertos:
«A ilimitada entrega de amor a Deus e auto-doação de Deus a nós, a união completa e duradoura, é a suprema elevação do coração que não é possível alcançar, o supremo grau de oração. Os homens que o alcançaram são verdadeiramente o coração da Igreja: neles vive o amor sacerdotal de Jesus. Escondidos com Cristo em Deus, não podem senão irradiar em nossos corações o amor divino de que estão cheios, e assim colaborar na perfeição de todos até à união com Deus, que é o grande desejo de Jesus» (A oração da Igreja, OC V, 119).
“Que seria a oração da Igreja, senão fosse a entrega dos grandes amantes a Deus, que é Amor? A ilimitada entrega de amor a Deus e a doação de Deus a nós, a união completa e duradoura, é a suprema elevação do coração que nos é possível alcançar, o supremo grau de oração.
Os homens que o alcançaram são verdadeiramente o coração da Igreja: neles vive o amor sacerdotal de Jesus. Escondidas com Cristo em Deus, não podem senão irradiar noutros corações o amor divino de que estão cheios, e assim colaborar em levar à perfeição a união de todos em Deus, que foi e é o grande desejo de Jesus.”
O esforço e o trabalho acabam por deixá-la num estado depressivo que não deixa transparecer. Edith diz-nos: “Pela primeira vez na vida encontrava-me diante de algo que não podia dominar com a minha vontade.” A experiência das suas limitações, o sofrimento interior e a solidão, levam-na a um caminho de amadurecimento e a uma tomada de consciência de que não é autossuficiente, abrindo, mais uma vez, caminho para chegar ao Transcendente, crescendo também na simplicidade e na humildade. Nesta altura cresce a amizade e o apoio de Reinach.
Apesar desta fragilidade, segue como enfermeira voluntária na Primeira Guerra Mundial, onde procurava sempre o bem-estar dos doentes e também se mostrava solícita para com colegas. Transparecem aqui os valores bebidos na família do acolhimento e da ajuda ao próximo. Ela não se centrava em si, nos seus problemas, mas dava-se aos outros, sabendo que não podia ser feliz sozinha. Ao longo da vida vai continuar a viver esta disponibilidade para com o próximo.
Num pequeno episódio vai também aprofundar o seu conhecimento do ser humano:
“Quando arrumava as suas poucas coisas, da agenda do defunto caiu um papelinho: continha uma oração, que a sua mulher lhe tinha dado, a pedir que lhe fosse conservada a vida. Isto partiu-me a alma. Foi precisamente naquele momento que compreendi o que humanamente significava aquela morte.”
Ainda durante a Primeira Guerra Mundial, Edith teve oportunidade de se tornar assistente de Husserl. No entanto, o pensamento filosófico deste deixou de a cativar, resolvendo deixá-lo e dedicar-se ao ensino.
O encontro de Edith com a Verdade foi amadurecendo ao longo do tempo, tendo sido um processo de reflexão iniciado na adolescência, com meditação, estudo e experimentação. Edith busca a verdade do ser humano e a razão de ser do homem, o mistério que a pessoa encerra em si mesma e na sua natureza. Nesta busca, Deus vai revelando-se a Edith.
O estudo da fenomenologia, o contacto com filósofos cristãos (Max Scheler, Adolf Reinach, Theodor Conrad e Hedwig Conrad-Martius) e a análise de questões religiosas vão abrir o espírito e a mente de Edith.
Com a morte de Reinach, amigo e filósofo, através da sua viúva, Edith é convidada a reorganizar os seus manuscritos. Edith esperava encontrar a viúva desesperada, abatida e revoltada. No entanto, encontra uma mulher corajosa, com esperança e alimentada pela fé cristã. Este foi um encontro decisivo no seu percurso de conversão.
Outro momento marcante acontece em casa do casal Conrad-Martius (1921) quando, providencialmente, escolhe ler da biblioteca o Livro da Vida de Santa Teresa de Jesus. Não parou de ler até chegar ao fim, quando exclamou: “Isto é a verdade!” Edith reconheceu a verdade em Cristo através de Santa Teresa.
“Escolhi ao acaso e tirei um grande volume. Era A Vida de Santa Teresa de Ávila, escrita por ela mesma. Comecei a ler e fui imediatamente cativada, não parando até chegar ao fim. Quando fechei o livro disse: ‘Essa é a verdade’”.
Na manhã seguinte comprou um catecismo e um missal que estudou profundamente. Uma manhã, depois da Eucaristia, pediu para ser batizada.
Todo o processo de conversão de Edith Stein foi mediado por vários acontecimentos e pessoas. Deus vai revelando-se na nossa vida em pequenas coisas, impercetíveis para quem caminha desatento. Revela-se com pequenos gestos, palavras, olhares e intimamente, no segredo da nossa alma, onde nem a atenção nos vale, apenas a fé e o amor. Um destes momentos aconteceu para Edith na Catedral de Frankfurt em 1916: uma mulher entrou na catedral para fazer uma breve visita ao Santíssimo Sacramento:
“Entramos por uns minutos na catedral e enquanto estávamos ali em respeitoso silêncio, entrou uma senhora com um cesto de compras e ajoelhou-se num banco, para fazer uma breve oração. Isto foi para mim algo totalmente novo. Nas sinagogas e nas igrejas protestantes, que tinha visitado, ia-se somente para os ofícios religiosos. Mas aqui chegava-se a qualquer horas no meio dos trabalhos quotidianos e entrava-se na igreja vazia como que para um diálogo confidencial. Isso nunca mais o pude esquecer.”
Edith foi batizada a 1 de Janeiro de 1922 durante a Eucaristia, tendo feito também a Primeira Comunhão. Dias depois recebeu o sacramento da confirmação pelo Bispo de Speyer. A mãe de Edith ficou triste com esta decisão.
Neste processo de conversão, Edith percebeu em si duas grandes graças: ser chamada por Cristo para fazer parte da Sua Igreja e pertencer às mesmas origens judaicas que Jesus. Em Edith encontramos uma síntese perfeita entre o Judaísmo e o Cristianismo.
O seu trabalho continuou a desenvolver-se, incluindo o trabalho científico, tornando-se uma educadora cristã no Colégio das irmãs Dominicanas de Santa Madalena, em Speyer (1923-1931). Durante 10 anos trabalhou como professora. Quando, em 1933, o povo judeu foi impedido de lecionar e ocupar cargos públicos, abriu-se a possibilidade de repensar a sua vocação. Para isso contou com o apoio do seu diretor espiritual – o Abade Raphael Waltzer, da Abadia de Beuron. Aqui ela fez em privado os votos de pobreza, obediência e castidade. Procurava também, no silêncio orante, escutar a voz de Deus e perceber a sua vocação. No dia 14 de Outubro de 1933, véspera da Solenidade de Santa Teresa de Jesus, ingressa no Carmelo de Colónia. A vocação ao Carmelo esteve em processo de maturação desde o momento em que lê o Livro da Vida e encontra uma perfeita sintonia com a espiritualidade de Santa Teresa e São João da Cruz. Edith Stein é já por natureza contemplativa, pelo que o Carmelo se torna natural. No relato seguinte percebemos já esta sua faceta contemplativa:
«A oração é o trato de amizade da alma com Deus. Deus é amor, e amor é bondade que se dá a si mesma; uma plenitude existencial que não se encerra em si, mas que se derrama, que quer dar-se e tornar feliz.
Toda a criação deve o seu ser a esse transbordante amor de Deus. As criaturas mais dignas são os seres dotados de espírito, que recebem esse amor de Deus entendendo-o, e podem corresponder livremente: os anjos e os homens.
A oração é a atividade mais sublime de que é capaz o espírito humano. Mas não é só fadiga humana. A oração é como a escada de Jacob, pela qual o espírito humano sobe até Deus, e a graça de Deus desce aos homens. Os graus da oração distinguem-se entre si, na medida da participação entre a potência da alma e a graça de Deus.
Ali onde a alma com as suas potências não pode atuar mais, é como um cântaro que se enche de graça, fala-se de vida mística da oração.» (Amor com Amor)
Após 6 meses de postulantado, a 15 de Abril de 1934, recebe o hábito e toma o nome de Ir. Teresa Benedita da Cruz: Teresa em homenagem a Santa Teresa, Benedita em homenagem de São Bento e aos Beneditinos, “da Cruz” pelo seu amor ao mistério Redentor de Cristo e que se torna programa de vida.
O Carmelo é oração apostólica, de intercessão, louvor, universal e que envolve toda a humanidade. Santa Teresa Benedita da Cruz viverá o resto da sua vida como verdadeira orante.
Depois da consagração definitiva (21 de Abril de 1938), continua a investigação científica e a produção literária. No Carmelo encontra uma forma de unir toda a humanidade de uma forma perfeita: o amor – este é o coração da plena realização humana e o Amor de Deus torna possível a experiência do amor aos outros: “O espírito do Carmelo é o Amor.” Na sua poesia podemos perceber a presença deste imenso amor:
Sem reservas e sem preocupações
Coloco o meu dia na Tua mão.
Sê o meu hoje, sê o meu amanhã,
Sê o meu ontem que eu ultrapassei.
Não me perguntes pelos meus caminhos de saudade,
Sou uma pedra no Teu mosaico.
Tu me colocarás no lugar certo,
Nas tuas mãos me aninharei.
Em 1938 inicia a violenta perseguição dos nazis aos judeus. É decidido que Edith deve ir para o Carmelo de Echt, Holanda, de modo a protegê-la, bem como às suas irmãs de Colónia. Mesmo sendo uma separação dolorosa, vive-a procurando acolher todos os acontecimentos à luz de Deus e da Cruz. Será em Echt que escreve a sua última obra: “A Ciência da Cruz” – um estudo sobre São João da Cruz.
Atenta à situação política e social, percebeu o agravar das atitudes de Hitler e, no Domingo de Ramos de 1939, pede licença e oferece-se a Deus como vítima pela Paz:
“Querida Madre. Por favor permita-me Vossa Reverência oferecer-me ao Coração de Jesus como vítima propiciatória pela paz verdadeira: que o poder do Anti Cristo seja derrubado e se possível sem uma nova guerra mundial, e que possa ser instaurada uma nova ordem das coisas. Desejaria fazê-lo inclusive hoje, porque já é meia-noite. Sei que nada sou, mas Jesus o quer, e seguramente nestes dias chamará muitos para isto».
A 24 de Julho de 1942, é lida uma carta pastoral em todas as igrejas católicas, escrita pelos Bispos da Holanda, na qual condenam a perseguição e a deportação dos judeus.
A 27 de Julho de 1942 é ordenada a deportação de todos os judeus católicos e a 2 de Agosto de 1942 a Irmã Teresa Benedita da Cruz, bem como a sua irmã Rosa, são detidas pelas Gestapo. A ambas coube o mesmo destino do povo judeu. Edith encontrou na prisão do campo de concentração a forma de se unir à Paixão de Cristo e oferece a sua vida em imolação e sacrifício. A 7 de Agosto foram deportadas para o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Chegaram a 9 de Agosto e foram conduzidas à câmara de gás. Esta foi a sua identificação com a Paixão de Cristo e como Ele a sua morte, oferecida aos irmãos, transforma-se em vida e redenção:
“Os que mergulham na vida de Cristo hão-de tornar-se membros do Seu Corpo, a fim de com Ele sofrer e morrer e, também com Ele, ressurgir para a vida eterna em Deus. Esta vida nos será dada em plenitude somente no dia da Sua glória. Mas participamos desde já – “na carne” – desta vida, enquanto cremos: ou seja, crer que Cristo morreu por nós para nos dar a vida. É esta a fé que nos une a Ele como membros à cabeça, e que nos abre para receber a Sua vida. Assim é, portanto, a fé no Crucificado – a fé viva com entrega de amor – para nós o acesso à vida e o início da glória futura.” (Ciência da Cruz)
Santa Teresa de Benedita da Cruz deixa-nos alguns desafios importantes, como mantermo-nos persistentes no nosso caminho da vida na procura pelo conhecimento profundo dos nossos valores e vivermos de acordo com estes. Somos interpelados a persistir na procura pela Verdade, mantendo sempre uma mente aberta e humilde, tendo consciência do quanto é limitado o nosso saber.
Edith interpela-nos ainda para nos envolvermos na vida quotidiana da nossa Sociedade, da nossa família, amigos, vizinhos, etc. Somos responsáveis e chamados a darmos o primeiro passo no testemunho do Amor depois de nos deixarmos envolver, ou antes engolfar no Amor de Deus, numa profunda vivência de uma Empatia Trinitária que desemboca numa empatia para com o outro. Daqui nasce uma vocação para a doação de tudo o que somos à Igreja, a Cristo, elevando nesta doação a humanidade à presença da Trindade. Nesta oração profundamente empática e amorosamente cúmplice, o Céu acontece já hoje.
Terminamos a nossa viagem com um doce abandono na Vontade de Deus, pela poesia de Santa Teresa Benedita da Cruz.
Deixai-me andar às cegas, Senhor, nos caminhos que são vossos.
Não quero compreender a Tua orientação, pois sou Tua filha.
Tu, Pai da sabedoria, és também pai meu.
Guia-me também pela noite, mas conduz-me a ti.
Senhor, que aconteça o que quiseres, eu estou preparada.
Mesmo que nunca satisfaças o meu desejo neste tempo.
Tu és o Senhor do tempo, o quando é teu.
O eterno agora, um dia será meu.
Fazei com que todas as coisas se realizem, tal como as planeastes no Vosso conselho.
Se exortais ao sacrifício, ajudai também à ação.
Deixai-me esquecer todo o meu pequeno eu,
para que eu, morta para mim mesmo, viva apenas para Ti.
_________
Bibliografia
- Machado, A. (2008). Edith Stein, Pedagoga e Mística. Braga: Editorial A. O.
- Stein, E. (1989). On the problem of Empathy. Washington: ICS Publications.