Out 31, 2023 | Casa comum, Em família

Carmelita Descalço

Abrir processos de acompanhamento

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A comunidade cristã ou está marcada por processos de acompanhamento, na qual ninguém se sente só e abandonado, ou não é verdadeira comunidade cristã. Qualquer opção vocacional precisa de um acompanhamento antes, durante e após a celebração do respetivo compromisso.

Numa opção vocacional joga-se a felicidade de uma vida. Todo o investimento que possamos fazer no discernimento vocacional e preparação para a celebração da mesma são fundamentais para nos responsabilizarmos por esta área tão marcante das nossas vidas. Após a decisão ponderada e bem discernida, seguem-se a várias etapas de vivência e amadurecimento da vocação abraçada. Cada pessoa passa por diversas fases de crescimento: primeiros anos de encanto, as primeiras provas resultantes da passagem do amor sensível para um amor mais assente na vontade, o amadurecimento das formas de amar cada vez mais gratuitas e libertas do egoísmo e, por último, a alegria de viver um amor alicerçado na confiança e no abandono.

Há dias acompanhei de perto a doença e partida de um marido e pai de duas filhas após agonia prolongada. A forma como este homem viveu este tempo de grande fragilidade e despedida da esposa e filhas, que tanto amava, e de quem tanto se sentida amado, foi para mim um testemunho eloquente e santo dos frutos maduros colhidos da forma como viveram o seu sacramento do matrimónio. Foram muitos momentos, com pequenas e grandes histórias de santidade que esta família viveu no meio do sofrimento aceite e sem revolta. Claramente tinham feito caminho, superando várias etapas.

Mas testemunhos como estes não se improvisam. Eles são o resultado cheio de várias opções diárias dentro da grande opção matrimonial. Várias vezes me trouxeram à memória um outro exemplo de santidade a caminho do reconhecimento da mesma por parte da Igreja, o de Chiara Petrillo. Li há tempos o livro Nascemos e jamais morreremos que amigos próximos escreveram sobre Chiara, conheci o seu marido e o pequeno filhote. São uma eloquente interpelação não só para casais, mas também sacerdotes e consagrados. Estes exemplos de felicidade no matrimónio e na família, uns mais conhecidos, outros mais escondidos, são testemunhos vivos de como vale a pena abraçar um ideal de vida, um compromisso vocacional e ser-lhe fiel até ao fim, venha o que vier, aconteça o que acontecer, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza… Podemos naturalmente encontrar histórias semelhantes na vocação sacerdotal ou consagrada que confirmam que a beleza do Sim para sempre irradia alegria e felicidade.

Mas, como dizia, estes exemplos de felicidade não se improvisam, precisam de ser preparados, cultivados em gestos e atitudes de todos os dias. O Papa Francisco pediu ao Dicastério para os Leigos, Família e Vida que elaborasse «Itinerários Catecumenais para a Vida Matrimonial». São estes itinerários que me têm ocupado nestas últimas reflexões neste Claustro. As propostas apresentadas para as diferentes etapas da vida matrimonial são preciosas sugestões que cada casal e família pode incorporar no seu estilo de vida, cujos frutos despontarão rapidamente. Aconselho a sua leitura aos namorados, noivos, casais e, sobretudo, a todos os agentes da pastoral familiar.

Diz-nos a certa altura: «o itinerário não termina com a celebração do matrimónio… é necessário “escoltar” pelo menos os primeiros anos da vida conjugal e não deixar os recém-casados sozinhos… o matrimónio é o início de um caminho e não uma obra concluída» (nn. 74 e 75). A seguir, sugere que a comunidade cristã preste especial atenção aos recém-casados, que lhes proponha encontros mensais de diálogo, partilha e oração com a equipa que os acompanhou e com outros casais, que se integrem na vida da comunidade. Se por acaso, tenham mudado de terra que haja a preocupação de uma necessária articulação entre comunidades cristãs para que ninguém fique esquecido e órfão de vida cristã em comunidade. A graça recebida no sacramento não atua automaticamente, precisa da colaboração do próprio casal, da sua família e amigos mais próximos e, sobretudo, da comunidade cristã que não retirará deles o seu olhar de mãe, que os convida para a oração, para a eucaristia, para a inserção na vida e serviços eclesiais. Sabemos que os casais jovens são muito absorvidos pelas carreiras profissionais a terminar ou a consolidar, precisam de cuidar um orçamento familiar que faça frente aos compromissos da casa, carro, etc. Ora, estas necessidades básicas não podem sufocar o necessário investimento na qualificação da vida relacional, do diálogo, da atenção de um ao outro, da vida espiritual, do lazer, da cultura… Realmente nada se improvisa no que respeita à qualidade da vida de um casal, um leigo celibatário, um consagrado ou um sacerdote. Para que se colham frutos saborosos que irradiem alegria e santidade na igreja e na sociedade, pressupõe este cuidado com o acompanhamento em todas as etapas de crescimento, mas sobretudo nos primeiros anos após a respetiva opção vocacional. Precisamos de mais casais que testemunhem a alegria do amor como fruto maduro de um especial cuidado pela preparação, celebração e acompanhamento do seu compromisso de vida a dois.

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