Dez 19, 2023 | Casa comum, Cuidar do jardim

Professor. Carmelita Secular

Fortalecer a amizade à mesa

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Uma forma de cultivar o nosso “jardim interior” é cuidar da nossa alimentação e ter hábitos de vida saudáveis. Na correria do dia a dia nem sempre temos tempo para comer bem, apreciar os alimentos, conviver com a família e os amigos à mesa. Uma das formas de fortalecer a amizade é, pois, o estar à mesa com a família e os amigos, desfrutando de uma refeição saborosa e nutritiva, conversando sobre os assuntos do dia-a-dia, trocando experiências, contando anedotas, rindo e brincando. A mesa é um lugar de encontro, de união e de celebração da vida. A Dieta Mediterrânica favorece este tipo de convívio, pois estimula a preparação dos alimentos em conjunto, o respeito pelos ritmos e pelas preferências de cada um, a apreciação dos sabores e dos aromas, a moderação e a gratidão.

A Dieta Mediterrânica foi reconhecida pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade a 4 de dezembro de 2013 em Portugal, Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia. A palavra “dieta” deriva do grego “diaïta”, que significa estilo de vida equilibrado, relação entre espírito, corpo e meio ambiente, englobando ainda a produção, a comercialização, comensalidade, ritual e simbologia alimentar.

É considerado o padrão alimentar mais saudável e mais sustentável do mundo, por se basear no consumo de alimentos de diversos grupos, frescos, sazonais, tradicionais, locais, amigos do ambiente, tais como os cereais, as frutas, os vegetais, o azeite, o peixe, o vinho, as infusões e a água. Promove um estilo de vida baseado na simplicidade e frugalidade de práticas culinárias, amizade, rotatividade dos solos, genuinidade, sazonalidade e sustentabilidade. No entanto, a base da pirâmide da Dieta Mediterrânica tem um valor cultural e social que assenta na atividade física regular, no descanso adequado e no convívio, na partilha e na comunhão entre as pessoas à mesa[1].

À Dieta Mediterrânica está associada a cozinha familiar rural, fusionadora da terra e do mar. A sua identidade mantém-se ainda hoje através dos testemunhos a nós chegados, depois de passados oralmente, de geração em geração, nomeadamente no seio das famílias. Desde tempos imemoriais, a refeição intimava à comunhão como ponto de união da família, pelo que tudo o que vinha para a mesa tinha o seu valor, apesar da simplicidade e frugalidade culinária[2]. Ao reportório do saber das mães e das avós sempre coube o papel mais importante na promoção da tradição das refeições e do convívio à mesa, ao longo do ano.

De certa forma, podemos assumir como exemplo evangélico da Dieta Mediterrânica a mesa da Última Ceia de Jesus com os seus discípulos. Não estão aqueles comensais reunidos em torno a uma mesa unidos por laços de amizade e convivialidade ritual? É bem certo que aquela é uma refeição ritual, além de nela existir alguma desagregação no grupo, mas a amizade une-os à mesa, em torno ao Mestre e, embora ferida e deslaçada, há-de prevalecer e renovar-se depois daquela nocturna refeição. Até hoje. Nessa ocasião, Jesus partilhou o pão e o vinho com cada um eles, dizendo-lhes que, depois de os bendizer, aqueles alimentos eram o Seu corpo e o Seu sangue, oferecidos por amor à humanidade. Não apenas por eles, por toda a humanidade!… E não é menos de notar que, no contexto daquela refeição, Jesus lavou os pés aos discípulos-amigos, mostrando-lhes e provando-lhes o Seu serviço humilde, generoso e radical, até ao fim. Enfim, quis, Jesus, por entre o temor e o tremor que deles se ia apossando, deixar-lhes um sinal forte da Sua presença e da Sua aliança eterna com eles, sempre que à mesa se reunissem! A Última Ceia é, pois, a fonte original da Eucaristia, sacramento celebrado em torno de uma mesa, à volta da qual se ouvem hinos, cantos e Palavra. É, pois, à volta de uma mesa que ainda hoje os cristãos comem Pão e comem Palavra, celebrando a amizade e a confiança em Jesus, em memória de Jesus e da Sua entrega por nós: e sim, em cada eucaristia o Pastor está de novo com as ovelhas, o Mestre com os discípulos, o Pão e o Vinho abençoados são dados e partilhados entre todos.

Em boa verdade, olhando para a eucaristia, podemos dizer que a Dieta Mediterrânica não é apenas uma forma de alimentação, mas também uma radical forma de viver, que nos convida a cuidar da nossa saúde física e espiritual, a valorizar a comunhão apesar das diferenças, a aprofundar as relações familiares e humanas, a conversar e a seguir o exemplo de Jesus que nos ensinou a nos amarmos uns aos outros como Ele inteiramente, radicalmente, nos amou. Até ao fim. Até hoje. Até sempre. Aproveitemos também, e porque não, a próxima festa do Natal para estarmos alegremente, distendidamente, à mesa com a família e com os amigos. Entrecruzando, se possível, várias gerações. Pessoalmente aconselharia que, previamente, alguém dissesse umas palavras de bênção — tal como Jesus as costumava dizer!… — e só depois toda a família, “metendo os pés debaixo da mesa”, se disponha a saborear o que sobre ela seja deposto com generosidade, sabedoria certa, mãos serenas, sabores ancestrais e bom gosto. Sim, sim, os almoços ou ceias grátis existem; e como se sabe Jesus era mediterrânico! Ninguém como Ele falou de amizade e sabe fazer florescer ainda hoje a fraternidade à mesa!

Feliz Natal!


Bibliografia
Associação Portuguesa dos Nutricionistas, (2014). Dieta Mediterrânica – um padrão de alimentação saudável. E-book nº 34. Associação Portuguesa dos Nutricionistas.

Maria Manuel Valagão, INTER MAGAZINE 271, abril 2021.

Luis Correia


[1] Cfr Associação Portuguesa dos Nutricionistas, (2014). Dieta Mediterrânica – um padrão de alimentação saudável. E-book nº 34. Associação Portuguesa dos Nutricionistas.

[2] Cfr Maria Manuel Valagão, INTER MAGAZINE 271, abril 2021.

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