Hoje partilho um desafio que sinto quase todos os dias. Este desafio passa pela consciência da importância da gestão do tempo livre. O tempo livre como aquela gota de água que numa chuva diluviana queremos guardar. Apanhar sem estragar. O tempo livre, essa gota, que temos o poder de apanhar ou não. O desafio é de cada um. Será?! Será só e unicamente de cada um? Como um gesto individual? Ou será que cada um de nós pode ajudar e ser ajudado a descobrir essa gota e a segurá-la sem estragar?
Foco-me nas pessoas de maior idade, nos adultos mais velhos, pese embora a mensagem seja a mesma ao longo da idade. Entre parêntesis importa referir que envelhecemos como vivemos. Somos a mesma pessoa…com mais anos. Por isso, o treino de gerir o tempo livre já começou.
Ao longo da idade temos de gerir a vida quotidiana. Uma gestão que passa pela reflexão, pensamento, partilha e ponderação sobre múltiplos assuntos, mais ou menos relevantes. De entre estes assuntos estão atividades e responsabilidades hierarquicamente organizadas. Podem ser remuneradas ou não. Pode ser trabalho (profissão) ou lazer (tempo livre). A este processo Stebbins (2020) chama a ponderação das atividades diárias. Ao longo da idade temos uma sucessão de atividades, agradáveis e desagradáveis, “espalhadas” pelo tempo de trabalho, lazer ou obrigações não laborais.
A palavra ponderação indica que temos de parar, refletir e avaliar. Decidir. É este processo que nos permite avançar na procura do bem-estar. Nesta busca as questões associadas ao tempo são muito importantes. A procura de tempo livre para a prática de atividades agradáveis é fundamental ao longo da idade. De acordo com a literatura, este poderá ser o primeiro passo na procura de uma boa qualidade de vida. Segue-se um segundo passo, não menos importante: como usar o tempo livre. Esta gestão é mais do que um equilíbrio entre o trabalho, responsabilidades, obrigações e o tempo livre. Se nos focarmos na questão de como usar esse tempo livre, identificamos uma constante necessidade de ponderação e articulação entre o “outro” tempo e o tempo livre.
Para nos ajudar nesta ponderação Sttebins (2020) dá-nos pistas de reflexão como o tempo que a atividade implica (antes, durante e depois), os custos associados, impacto físico da atividade, questões associadas à deslocação, contributo para o nosso quadro de valores, entre outros.
Importa ter presente que a prática de atividades de lazer positivas (que nos fazem bem), pelo relaxamento que proporciona pode influenciar positivamente os outros tempos. Todos os outros tempos. Podendo dar a sensação de renovação, novas forças e vontade de recomeçar. É aqui meus amigos que agarramos a gota de chuva. É aqui que a seguramos a gota de água sem estragar. Reparemos, que assim sendo, é possível resgatar o sentido do dia por aquele bocadinho de tempo livre em que podemos fazer o que mais nos realiza.
Tempo livre… já tive o privilégio de poder escrever aqui no Claustro que o tempo livre dos adultos mais velhos não é valorizado. Que barbaridade! Perdoem-me o desabafo. O tempo livre é uma preciosidade ao longo da idade. Tal como a gota da chuva tem a mesma beleza para quem a reconhece no meio da chuva diluviana. A idade não acrescenta desvalorização ao tempo livre. É uma questão de respeito e de dignidade reconhecer o tempo livre versus os outros tempos ao longo da idade. Que grande desafio… eu olhar para a vida de uma pessoa de maior idade e conseguir valorizar o seu tempo livre e admirar a coragem com que essa pessoa pondera a sua gestão.
Recordo agora a exclamação, entre lágrimas, de uma jovem ao perceber que “aquelas” senhoras não iam à Eucaristia ocupar o tempo. Por entre remorsos e a alegria da descoberta, esta jovem percebeu que aquelas senhoras – com esforço pessoal – viviam aquele tempo. Aquele momento era a gota de chuva que com mestria e sabedoria aquelas senhoras sabiam agarrar sem estragar.
Recordo tantos exemplos de pequenos grandes nada em vidas tão serenas que quase parece impossível. No estudo das idades tardias tenho tido a bênção de me cruzar com pessoas que conhecem a arte da ponderação. Muitas destas pessoas tantas vezes abandonadas pelos seus. Tão abandonadas. Mas percebem que aquelo bocadinho de tempo bem usado lhes dá o mais importante. Resgata a sua identidade. Recorda quem se é. Seja naquele jogo de dominó, nas cartas ou na malha. Seja na Eucaristia ou a arranjar as flores da Igreja, a rezar, a costurar ou a tricotar…para alguém.
Concluindo recordo que lazer é a ocupação livre, voluntária e responsável que se dá ao tempo. A ponderação é determinante para a boa gestão do tempo ao longo da idade. Já começou, portanto. As atividades de lazer revelam um impacto positivo como o autocuidado, a funcionalidade, produtividade e as relações interpessoais ao longo da vida. Estes e outros benefícios estão comprovados nas idades tardias.
É um desafio sem precedentes valorizar o tempo das pessoas de maior idade. Mais ainda valorizar a ponderação que estas pessoas fazer da gestão do seu tempo.
Stebbins, R. A. (2020). Pondering everyday life: Coordination, continuity, and comparison. Springer Nature.