Escrevi este texto logo ao chegar a casa, depois de uma caminhada – aliás, peregrinação – até Santiago de Compostela, com um conjunto de alunos, ex-alunos e mais duas professoras, há cerca de um mês (fevereiro de 2024). Normalmente, um texto saído dos meus dedos demora muito a ser moldado, com esforço e transpiração. Este saiu de rajada. Estava cá dentro a borbulhar e tinha de sair. Agradeço ao “Claustro” a oportunidade de o publicar. Dou-lhe o título “O Caminho, metáfora da vida” e é, portanto, uma crónica simbólica, do caminho percorrido a pé, em cerca de 7 horas, com frio e chuva, entre o Santuário de la Virgen de la Esclavitud, junto a Padrón, e Santiago de Compostela.
Nem sempre começamos o caminho como queremos, como tínhamos planeado. Hesitamos.
Nem sempre começamos o caminho como queremos, como tínhamos planeado. Desalentamos.
Gostamos de começar bem, como que se fosse um preanuncio de que, quando começamos bem, iremos terminar ainda melhor. Se começamos bem, é porque este é o caminho certo.
Não começamos como eu queria, no Santuário de la Virgen de la Esclavitud. Como tinha planeado. Como tinha combinado.
Nos caminhos há sempre mal-entendidos.
Avançamos. Chovia. “Seria por pouco tempo?” – interrogava-me, enquanto recorria a estatísticas, proporcionadas pelo telemóvel.
Calculo muito. Demasiado. Talvez. Não estando aberto às surpresas sempre múltiplas da vida, em atitude de expectativa e confiança. Bem, neste caso os cálculos não seriam para minha própria defesa, mas por aqueles que devo cuidar e proteger.
No caminho encontrámos chuva e frio. Também trovoada, ao longe. Mas estávamos no caminho certo. E nos caminhos certos há sempre chuva, frio e quase sempre trovada. E mesmo os caminhos certos exigem determinação, resguardo na amizade, consolo num sorriso. Como rir ou, simplesmente, sorrir faz bem a quem sorri e a quem recebe o sorriso nem que queira significar “onde me fui meter!”.
Mas «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos» – declara o Senhor.
No caminho encontramos algumas pessoas. Quase todas em direção contrária à nossa. E todas elas nos saudavam. Sorriam. Animavam. Mas, erámos sempre nós que tomávamos a iniciativa com um “Hola, buenas tardes”. Era, a partir daí, dessas simples palavras que se encetava um diálogo simpático ainda que por brevíssimos instantes. Como é importante, nos nossos caminhos, tomarmos a iniciativa, ir ao encontro. Curioso: ainda que tivessem sido, é verdade, poucas as pessoas desconhecidas que tomavam o mesmo sentido que o nosso, não havia diálogo, não havia um sorriso, não havia um olhar abençoado. Apenas indiferença, naquele passo apressado, ultrapassando-nos. Muitas vezes, na vida, as pessoas que vão em direção contrária à nossa, e inversamente ao que seria de esperar, são aquelas que nos olham nos olhos como irmãos.
Mas «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos» – declara o Senhor.
Os caminhos que percorríamos foram já percorridos por milhares de pessoas. Caminhos gastos. Pedras, terra e areia, em silêncio, testemunharam lágrimas, a quase desesperança, quase, saliento eu, porque quem faz o caminho, fá-lo alimentado, afinal de contas, pela esperança.
Pedras, terra e areia, em silêncio, testemunharam a solidão não desejada, o abandono, a doença. Mas também a valentia, a fé, a alegria, o coração em paz.
No caminho, tivemos muitas vezes a sensação de que estávamos a voltar para trás. E era quase verdade. O caminho certo é quase sempre serpenteado e muitas vezes sentimos não só que estagnámos como caminhamos para trás.
Mas «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos» – declara o Senhor.
Mas este é o caminho certo. E continuamos.
São muitos os contrastes, entre casas senhoriais e casas muito simples. Muitas muito pobres. Outras abandonadas.
No caminho certo, enterrámos os pés na lama. Mas continuamos. Molhamos não só as sapatilhas como também as meias. Mas continuamos.
No caminho certo, há subidas e descidas.
No caminho certo nem sempre as descidas são mais fáceis que as subidas.
No caminho certo há pontes e fazemos pontes.
No caminho certo, oferecem-me café.
Não caminho certo, não julgo.
No caminho certo é preciso parar.
Parar é necessário.
Mas «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos» – declara o Senhor.
No caminho certo, por vezes, ter coragem e humildade, é dizer: “não consigo continuar”; “preciso de ajuda”; “basta”.
No caminho certo, tentamos encontrar soluções.
No caminho certo, ninguém fica sozinho.
No caminho certo, eu partilho o meu casaco, o meu bordão, a minha mochila; no caminho certo, leva-se alguém às cavalitas; no caminho certo dá-se a mão; no caminho certo quebra-se o silêncio não desejado com meia dúzia de palavras triviais mas benévolas.
No caminho certo, oferecem-me novamente café.
No caminho certo, oferecem-me uma casa de banho.
No caminho certo, batemos à porta, não nos importando uma possível rudeza, antipatia ou indiferença. Não nos importamos com o nosso orgulho. Pois, é pela atenção empática ao próximo que batemos a uma porta.
No caminho certo, interrogamo-nos sobre o sentido.
Mas «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos» – declara o Senhor.
No caminho certo, doem-nos os músculos.
No caminho certo, surgem-nos, nos pés, bolhas.
No caminho certo, encontramos setas que apontam uma direção e, penso que na vida, existem pessoas que desenham para nós setas direcionais. Pessoas que nos querem bem. Pessoas que serão, para mim, setas. São para mim, dom.
Como os pais em relação aos filhos…
No caminho certo, encentramos setas que nos apetece desafiar e contrariar. Como os filhos em relação aos pais…
No caminho certo, as setas não são apagadas, aguardando que as sigamos.
Como os pais em relação aos filhos…
No caminho certo eu preciso de ti.
E a ti, no caminho certo, quero dizer-te: “aqui estou se precisares de mim”, mesmo que não esteja na tua lista de preferências ou favoritos.
No caminho certo, há mais que um caminho. Pode haver mais que um caminho certo. Sigamos juntos.
O caminho certo quase sempre não é o mais retilíneo e rápido.
Mas «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos» – Declara o Senhor.
O caminho certo não é determinado por uma qualquer App.
No caminho certo por vezes chegamos de noite.
Mas amanhã de manhã será dia.
O caminho certo és tu que caminhas a meu lado.
O caminho também sou eu. Caminho inacabado, de terra batida, ainda por me descobrir.
Caminho és Tu, Jesus, que comigo caminhas ainda que eu tantas vezes não caminhe contigo.
Caminho és Tu, Jesus, além de Vida e Verdade.
Caminho para o Pai, és Tu, Jesus.
Caminho és Tu, meu Jesus, ainda que, tão arrogante, muitas vezes julgue, que não caminhas comigo à velocidade dos meus próprios planos; que não compreendo as palavas «Os Meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os Meus caminhos».
Que no caminho eu saiba agradecer.
Nuno Henriques