Quero começar esta digressão da Sabedoria pela “Paixão de Cristo” evocando a afirmação de S. Paulo: “Completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo em benefício do seu corpo”. Podíamos começar por nos perguntar se falta alguma coisa à paixão de Cristo e concluir que não, porque tendo Ele amado os seus amou-os até ao fim, até à morte e morte de cruz. Mas também podemos concluir que sim, porque ainda não temos em nós a paixão de Cristo, isto é, o amor maior que está na base da Sua vida. O amor ao Pai e aos irmãos que foi a razão de ser da sua existência enquanto homem.
É este Amor Maior que faz com que a vida de Cristo se converta em memorial das maravilhas de Deus. E é como memorial das maravilhas de Deus que vamos contemplar a sabedoria da Paixão de Cristo. Completar no nosso corpo o que falta à paixão de Cristo não nos pode reduzir ao horizonte do sofrimento, pelo contrário situa-nos no horizonte infinito do amor eterno. Amar como Ele amou é assumir a paixão de amor que converteu a sua vida em lugar das maravilhas de Deus.
Diz-nos o salmista que Deus instituiu um “memorial das suas maravilhas”, isto é, Deus escolheu como “estilo de vida” a festa contínua da celebração da maravilha que é Ele em relação com cada um de nós. O que significa que a nossa vida está a chamada a ser o lugar onde Deus celebra a festa da maravilha que é Ele e cada um dos nossos dias a converter-se na manifestação dessas maravilhas que Deus derrama sobre nós. Na realidade, o que Deus celebra connosco é a memória do Seu amor. Isto é o que é a nossa vida: memória do amor de Deus.
Ao olhar para o livro da vida que Deus foi escrevendo com a minha existência percebi que a memória do amor que Deus celebra com cada um de nós tem a forma de “eucaristia”. A nossa vida é uma eucaristia.
Deus ao escolher celebrar connosco o memorial das suas maravilhas, a primeira coisa que nos diz é que para Ele memória não é simplesmente recordar o passado, mas a atualização no hoje da nossa vida, por meio do Espírito Santo, do Seu mistério. O mistério de Deus que se faz nosso porque Deus diz-Se sobre nós. O mistério de Deus que nos consagra, isto é, que nos torna sagrados com Ele.
Pela Eucaristia Cristo vive em nós porque o comungamos, mas a eucaristia é sinal do movimento íntimo da vida do próprio Deus. E por isso é o movimento mais autêntico da relação de Deus connosco e de nós com Ele. Com isto o que quero dizer é que a relação com Deus é eucarística porque é um ser comungado por Deus, para ser transformado em comunhão. É a comum união: Deus que se une a nós e nós que nos unimos a Deus n’Ele. Existe uma dimensão esponsal, um “comunga-me para que eu te comungue”, isto é, comunga a minha humanidade para que eu comungue a tua divindade.
Diz-nos Paulo, num dos seus discursos, que “n’Ele somos, nos movemos e existimos” e de facto esta é a circunstância em que se dá a memória viva de Deus em nós. É porque vivemos n’Ele, existimos n’Ele e n’Ele nos movemos que ele nos diz: “Fazei isto em memória de mim”. Num sentido mais profundo o que Ele nos diz é: “Vivei em memória de mim”. É um fazer que se converte em ser. Esta é a passagem que acontece sempre que se dá o encontro com Cristo: Não fazemos, somos, é Ele em nós.
A Este mandato de Cristo a sermos “memórias vivas” junta-se o de Maria, que é o convite a sermos outros Cristos: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. São duas realidades que se completam e que nos mostram a atitude de Jesus e Maria perante a Eucaristia. Estamos chamados a viver como Memória viva de Deus, se quisermos como pequenas hóstias consagradas por Deus, na Eucaristia da vida.
O sacramento da Eucaristia não é diferente da eucaristia da vida. Toda a vida de Jesus foi eucaristia, foi uma total ação de graças ao Pai, a imolação na cruz e no altar são a expressão máxima dessa ação de graças. Se quisermos é o momento em que o Pai mais realiza a sua obra. O mesmo acontece connosco, a renuncia, o despojamento, a humildade, o abandono nas mãos de Deus são o que mais realiza a obra de Deus, que é a encarnação de Cristo em nós, quero dizer: a descida de Cristo ao nosso corpo, comungando-nos tornando-nos outros Cristos.
Diz-nos Paulo: «Peço-vos irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Seja este o vosso verdadeiro culto, o espiritual.»
Tratar de amizade estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama é o momento do ofertório que precede a consagração da nossa vida, como carmelitas, oferecemos-lhe o nosso ser, a nossa vontade, memória e entendimento, o nosso coração para que seja Ele em nós. Para que Ele nos una a Si e nos torne sagrados, isto é, se diga Ele mesmo através de nós, manifeste Ele mesmo a Sua bondade e santidade, a sua misericórdia e beleza através dos nossos actos, das nossas palavras, do nosso trabalho, das nossas relações.
A este momento em que nos oferecemos a Ele, Ele vai responder com a entrega de Si mesmo e vai dizer: “Isto é o meu corpo entregue a ti”. E à medida em que permanecemos neste mistério em que somos portadores de Cristo, descobrimos outra realidade: “Isto é o meu corpo entregue em ti”. Ele entrega-se em nós para nos comungar e se entregar através de nós.
A Eucaristia é o acto mais pleno da realização do nosso ser, quer na sua dimensão humana quer na sua dimensão divina. É plenitude de comunhão com Deus e com os irmãos. Nós só somos o que estamos chamados a ser quando comungados por Deus e transformados em comunhão, quando nos tornamos, pela entrega generosa de nós mesmos, pão de vida eterna para os irmãos.
Ser pão de vida eterna é ser pão do conhecimento do Pai e do Filho. Do como Pai como único Deus verdadeiro e do Filho como enviado do Pai, por quem temos a vida. Ser Pão de Vida Eterna é ser pão do Pai e ser pão do Pai é viver pelo Pai em Cristo, no Espírito, que em nós dá testemunho da comunhão de vida da Santíssima Trindade. Ser pão do Pai é ser hóstia imolada pela Trindade e por Eles, com Eles e n’Eles oferecida para a vida do mundo, a vida eterna.
O Papa Francisco inspirando-se no Evangelho de São João fala sobre a Comunhão. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue verdadeiramente uma bebida”. ( Jo 6,54-55)
“O gesto de Jesus que deu aos seus discípulos o seu Corpo e o seu Sangue na última Ceia – explicou – continua ainda hoje pelo ministério do sacerdote e do diácono, ministros ordinários da distribuição aos irmãos do Pão da vida e do Cálice da salvação”.
“Depois de ter partido o Pão consagrado, isto é, o Corpo de Jesus, o sacerdote o mostra aos fiéis, convidando-os a participar do banquete eucarístico”, dizendo as palavras: “Felizes os convidados para a Ceia do Senhor: eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”.
Este convite inspirado em uma passagem do Apocalipse – recordou o Santo Padre – ” chama-nos a experimentar a íntima união com Cristo, fonte de alegria e de santidade”:
“É um convite que alegra e ao mesmo tempo impele a um exame de consciência iluminado pela fé. Se por um lado, de fato, vemos a distância que nos separa da santidade de Cristo, por outro acreditamos que o seu Sangue é “derramado pela remissão dos pecados”. Todos nós fomos perdoados no batismo e todos nós somos e seremos perdoados cada vez que nos aproximarmos do Sacramento da Penitência. E não esqueçam, Jesus perdoa sempre. Jesus não se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir perdão”.
O Papa recordou Santo Ambrósio quando exclama: “Eu que peco sempre, devo sempre dispor de remédio!”, e com esta fé “também nós voltamos o nosso olhar ao Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo e o invocamos” com as palavras: “Ó Senhor, não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Isso dizemos em cada Missa”:
“Na comunhão é Cristo que vem ao nosso encontro para nos assemelharmos a Ele. Há um encontro com Jesus! Nutrir-se da Eucaristia significa deixar-se transformar pelo que recebemos”. “Cada vez que nós comungamos, mais nos assemelhamos a Jesus, mais nos transformamos em Jesus.”
“Como o pão e o vinho são convertidos no Corpo e Sangue do Senhor, assim aqueles que os recebem com fé, são transformados em Eucaristia viva.”
Ao responder “Amém” ao sacerdote que diz “Corpo de Cristo”, reconhece-se “a graça e o empenho que comporta tornar-se Corpo de Cristo. Pois quando tu recebes o Corpo de Cristo, tu tornas-te Corpo de Cristo. Isto é belo, é muito belo!”
“Enquanto nos unimos a Cristo, separando-nos dos nossos egoísmos, a Comunhão nos abre e une a todos aqueles que são um só n’Ele. Eis o prodígio da Comunhão: nos tornamos aquilo que recebemos!”
O Santo Padre recorda que após a Comunhão, para custodiar no coração o dom recebido, ” ajuda-nos o silêncio e a oração silenciosa. Prolongar um pouco aquele momento de silêncio, falando com Jesus no coração, ajuda-nos tanto, como também cantar um Salmo ou um hino de louvor, que nos ajude a estar com o Senhor”.
A Oração após a Comunhão conclui a Liturgia Eucarística. “Nela, em nome de todos, o sacerdote dirige-se a Deus para agradecer a Ele por nos fazer seus convidados e pedir que o que foi recebido transforme a nossa vida”. “A Eucaristia nos torna fortes para dar frutos de boas obras para viver como cristãos”.
Contemplemos juntos o mistério da sabedoria da “Paixão de Cristo” e rezemos:
Escutemos o que Jesus, hoje, nos diz:
“Desejei ardentemente expiar o teu pecado
para que o Amor com que sou amado,
pelo meu Pai,
esteja em ti e Eu esteja em ti”.
E respondamos-lhe:
Senhor Jesus,
Vem hoje comer comigo a Tu Páscoa;
Ilumina a minha vida
Para que reconheça os meus pecados
E me abra à tua graça e
Me deixe comungar por Ti.
Obrigado
por expiares o meu pecado
para me unires a Ti e
me dares a Tua Vida.
Que cada Eucaristia seja para mim
A Tua entrega de amor sem limites
E um renovado compromisso de fidelidade
Em que me dizes:
‘Isto é o meu Corpo entregue por Ti’.
Assim unido a Ti,
Comendo contigo a Tua Páscoa
Viverei por Ti como Tu vives pelo Pai e
A minha vida será Pão de vida eterna para muitos.
Senhor Jesus,
Eu desejo ardentemente
Comer ConTigo esta Páscoa,
Vem celebrar a Tua Eucaristia
Na minha vida,
Vem comungar todo o meu ser e
Transformar tudo o que sou em comunhão de amor
Com Deus e com os irmãos,
Em Pão do Pai para todos.
Amen.