«O Senhor dará graça a umas para recrearem as outras. Procedendo assim, todo o tempo será bem empregue. Procurem não ser enfadonhas umas para as outras, mas que as palavras e brincadeiras sejam discretas!»[1].
Para grandes males… grandes remédios… foi o que senti ao preparar este pequeno texto. Gota no oceano. Vinha aflita com o que ouvi recentemente de uma jovem participante. Num workshop sobre a importância da gestão do tempo livre, a dada altura a participante disse-me:
– “Hummm… não consigo fazer esta dinâmica. Na verdade, não posso mesmo fazer esta dinâmica!”
Ao que eu, sorrindo, lhe perguntei:
– “O que quer dizer?”
Respondeu:
– “Não posso porque não tenho.”
Perguntei:
– “Mas… o que não tem? Será alguma coisa que eu tenha na caixa das ferramentas[2]?”
Com um sorriso respondeu:
– “Não… eu não tenho tempo livre. Sabe, as minhas atividades estão todas encadeadas. Quando saio de uma aula, vou para a outra. Quando chego a casa vou estudar e lancho ao mesmo tempo. É assim, até dormir. Quando estou noutro sítio fico em stress, porque sinto que não era ali que eu tinha de estar. Quando não consigo estudar fico a olhar para o computador um bocado e depois já consigo. Mas eu gosto imenso de estar com amigas… ir comer um croissant, mas não posso.”
Ao ouvir esta conversa outros participantes identificaram o mesmo problema:
– “Ah… isso… eu também tenho dificuldade em fazer este exercício.”
Caríssimo leitor,
o exercício é a identificação dos tempos livres e apontar a forma como ocupamos o tempo livre. É muito difícil. Cada vez mais difícil. A dificuldade sente-se cada vez mais cedo. Não é exagero nem dramatismo.
Fico a pensar na contradição em que se cai tão facilmente: foge-se da recreação para trabalhar mais, mas descobre-se que se trabalha menos. Esta descoberta vem envolta em panos de tristeza e solidão. Cada vez mais cedo.
Chamo a atenção para o desafio de levar a vida mão na mão. A vida é uma continua sucessão de factos, de episódios. A um dia sucede o outro. Ao dia sucede a noite. Envelhecemos como vivemos. Gerir o tempo livre é uma aprendizagem que vale a pena. É um ótimo investimento tanto no presente como no futuro. Aprender a dar todo o tempo por bem empregue.
Grandes remédios… cada palavra de Santa Teresa me fez estremecer de alegria. Tanta sabedoria. Aproveitar bem o tempo recreando umas às outras. Viver. Cada vez mais, na investigação e na vida, vejo que o tempo livre bem aproveitado é como aquela gotinha de água que de tão bonita queremos fazer parar. Só um bocadinho, para a vermos melhor. Aproveitar bem o tempo recreando umas às outras. Reciprocidade. Vida. É daqui que decorre o bem-estar.
O bem-estar ao longo da idade é um tópico relevante de investigação e alimenta o debate entre académicos, políticos, comunicação social e sociedade civil (o que faz o Claustro, e bem!). O lazer (o tempo livre) pode contribuir para a saúde física, social, emocional e cognitiva. Podemos agrupar estes benefícios em três pontos: prevenção, coping e superação dos eventos negativos. As atividades de lazer amortecem o impacto dos eventos negativos da vida. Por exemplo, ajudando as pessoas a “distrair-se”; contribuindo para uma visão mais otimista sobre o futuro; e ajudando na reconstrução da continuidade da história de vida. Ao mesmo tempo, as atividades de lazer após os eventos negativos contribuem para uma transformação pessoal. A boa ocupação do tempo livre, o lazer, contribui para a saúde física e mental dos indivíduos. Tem um valor terapêutico. Do ponto de vista da prevenção, a prática de atividades de lazer revela um efeito preventivo ao nível de problemas de saúde e de comportamentos de risco. Linda Caldwell (2005), fruto da sua investigação apresenta sete elementos terapêuticos do lazer: i) realização; ii) a aceitação social e amizades; iii) a competência e autoeficácia decorrentes da atividade; iv) a experiência de desafio e de total absorção; v) a autodeterminação e o controlo necessários para a prática da atividade; vi) o relaxamento, a diminuição do stresse e a distração dos eventos negativos da vida; vii) a capacidade do lazer para ajudar os indivíduos a superar eventos traumáticos (p. 17).
Por fim deixo um apelo: agarrar os bocadinhos de tempo livre pode significar resgatar toda uma vida. Termino este texto pela mão de Santa Teresa de Jesus: «Os recreios fazem-se com muita moderação e servem para as irmãs conhecerem lá as suas faltas e tomarem algum alívio para cumprir a austeridade da Regra…!»[3].
Caldwell, L. L. (2005). Leisure and health: why is leisure therapeutic? British Journal of Guidance & Counselling, 33(1), 7–26. doi:10.1080/03069880412331335939
[1] Jesus, Teresa de. Obras Completas: Livro das Constituições 9:7. Fátima. Ed. Carmelo, 2012.
[2] Caixa com o material de apoio aos workshops.
[3] Jesus, Teresa de. Obras Completas: Livro das Fundações. Avessadas. Ed. Carmelo, 2015.