Tal como o Mar da Galileia tinha margens, e a Jesus não lhe bastava apenas uma, antes amava todas, assim também não há estrada sem meta, sem interrogações, sem percalços. Ainda hoje somos para passar para o lado de lá. Venha o que vier. Quer o mar das nossas certezas se afunde, quer não.
As necessidades de segurança e de conforto estão intrinsecamente ligadas à nossa condição humana. Em certo sentido, impeliram-nos para as pequenas grandes evoluções da nossa história comum: desde a procura de abrigo nas cavernas, passando pelo domínio do fogo, até à organização da vida em comunidade… Em consequência, desde muito cedo se percebeu que a vida era algo perecível e muito frágil e que tinha de ser protegida a todo o custo.
Todas estas sucessivas conquistas trouxeram-nos conhecimento, bem-estar, qualidade de vida, segurança, conforto e, por conseguinte, foi crescendo uma atitude de controlo e de poder sobre a nossa vida. Assim sempre é até que, algo de inesperado aconteça e, num instante, deite por água abaixo todas as nossas certezas. A abertura para a incerteza da vida, predispõe-nos para procurar um sentido que, integrando as nossas circunstâncias específicas, vai muito além delas.
Aprofundemos o nosso olhar reflexivo a partir de Marcos 4, 35-41.A mensagem de Jesus é um convite contínuo à mudança, a deixarmos de lado as nossas pequenas seguranças e ir para a outra margem. Entre a terra que pisamos e o outro lado que nos espera, há um mar de incertezas e de dificuldades. Contudo, há uma certeza que faz toda a diferença: levamos Jesus connosco na barca. A presença de Jesus não significa, nem de longe nem de perto, ausência de tempestades ou de turbulência: elas vão sempre existir, pois fazem parte da vida! Porém, a certeza maior que temos é a de que Jesus está connosco e nos ampara nos momentos de maior dificuldade.
Os seus discípulos eram pescadores experientes, habituados à vida no mar. Ainda assim, isso não os impediu de ficarem assustados e com medo de perecerem quando fizeram aquela travessia durante a noite. Também nós hoje, apoiados em todo o progresso que alcançamos, pensamos que podemos controlar tudo ao nosso redor. A própria dinâmica profissional com prazos e cronogramas absorve a vida numa constante onda de preocupações e ansiedades.
O episódio de Jesus que acalma a tempestade evoca a passagem do povo de Deus, sem medo, pelo meio do mar, enquanto fugia dos egípcios (Êxodo 14,22). Recorda o profeta Isaías que dizia ao povo: «Quando passares pelas águas eu estarei contigo!» (43,2). E Deus cumpre a promessa no Salmo 106 (107) de transformar a tempestade em brisa suave.
Esta passagem do evangelho de Marcos salienta a dimensão humana dos intervenientes: o sono de Jesus e o medo dos discípulos. Perante as mesmas circunstâncias, temos duas atitudes diametralmente diferentes. No meio da tormenta, Jesus confia na providência, enquanto os discípulos não sabem o que fazer e clamam por Jesus. Recordamos, a título de exemplo, as palavras do Salmo 35 «Deus onde estás? Porque dormes? Porque não intervéns?». É a fé em Deus que vence o medo! Esta travessia dos discípulos pelo mar da Galileia é um percurso de descoberta de algo novo. Os discípulos não passaram só para a outra margem, também passaram do medo para a confiança.
Vamos para a estrada, ou para o mar. Estrada e mar sejam por nós percorridos com fiança no senhor. Vamos, que não vamos sós. E aceitemos – eu aceito – que a aparente ausência de Deus gera medo e dúvida nos nossos corações. Contudo, a tomada de consciência de que Jesus está na nossa barca, na nossa vida e em todas as circunstâncias, é um exercício diário de proximidade através da oração (Filipenses 4:6-7). Nos momentos de maior dificuldade e de dúvida, temos de ter também a coragem de chamar por Jesus e de pedir o auxílio.
Rezemos para que Deus nos leve também para a margem da confiança, como fez com os discípulos:
Faz-nos trilhar, Senhor, a estrada da Confiança.
Dá-nos um coração capaz de amar serenamente aquilo que
somos ou que não somos, aquilo com que sonhámos ou
as coisas que não escolhemos e que, contudo, fazem
parte da nossa vida.
Ensina-nos a devolver a todos os Teus filhos e a todas as
criaturas a extraordinária Bondade com que nos amas.
Não permitas que o nosso espírito se feche no medo ou no
ressentimento: ensina-nos que é possível olhar a noite não
para dizer que pesa em todo o lugar o escuro, mas que a
qualquer momento uma Luz se levantará.
Dá-nos ousadia de criar e recriar continuamente mesmo
partindo daquilo que não é ideal, nem perfeito. E quando
nos sentirmos mais frágeis ou sobrecarregados
recebamos, com igual confiança, a nossa vida como um
Dom e cada dia como um dia de Deus. (José Tolentino Mendonça)