Neste ano jubilar entramos no Claustro com a certeza de que «a esperança não engana» e, seja no espaço interior ou exterior do «claustro» que cada um de nós é e tem, somos chamados a ser sinais e agentes de esperança. Contudo, é certo que sem o cultivo deste espaço interior, lugar privilegiado de encontro com Deus e connosco próprios, nunca sairá nada de especial para o nosso exterior, para o nosso fazer e missão.
Proponho-me continuar a encontrar razões para a esperança também nos escritos espirituais dos santos do Carmelo, porque são mestres de interioridade e fontes de esperança. Teresa de Lisieux, santa e doutora da Igreja, fala-nos, a determinada altura da metáfora da gota de orvalho e, a partir dela, compõe uma parábola, onde explana verdades importantes sobre a vida segundo o Espírito, concretamente sobre a aspiração à liberdade interior, à pobreza espiritual.
Estamos em 1893. Santa Teresinha conta com vinte anos de idade e cinco de vida carmelita, cinco anos de alegrias, mas também de sofrimentos assumidos e con-sentidos. Neste momento, Celina, sua irmã, é a única filha na casa paterna, a sentir-se um pouco deprimida e abandonada por estar sozinha a cuidar do pai doente, com uma vida sem grande brilho social. Teresinha é aconselhada a intensificar a correspondência com a irmã, a animá-la desde os claustros do seu Carmelo. As cartas, escritas e recebidas, entre as irmãs podiam ser lidas pela prioresa, mas como estamos no priorada da Madre Inês (sua irmã de sangue), Teresinha exprime-se sem constrangimentos, e o seu epistolário para Celina põe o acento na coragem que lhe quer transmitir, partilhando com ela as intimidades da sua alma.
Teresa sabe que ao sentir-se chamada ao Carmelo, a uma vida de clausura, os seus dias não iriam ser brilhantes de novidades, nem chamativos aos olhos do mundo. Sabia que a esperava a simplicidade e a rotina dos dias, vividos com intensidade, e por isso tudo assume com paz, e de tudo vai tirar partido para crescer como mulher e como cristã. E é esse mesmo modo de viver que quer mostrar à sua irmã e tentar convencê-la de que é isso mesmo que Jesus espera dela.
A nossa parábola encontra-se inserida numa carta dirigida a Celina, a uma Celina que pensa que as suas irmãs religiosas são mais felizes que ela, que estão a realizar uma obra admirável porque se consagraram a Deus e levam uma vida de oração e sacrifício. Esta carta, como a maioria delas, está embebida de conteúdo espiritual: a carta 141, de 25 de abril de 1893, onde podemos ler:
«Pois bem! Pensei esta manhã junto do sacrário: (…) que haverá de mais simples e de mais puro do que uma gota de orvalho? Não foram as nuvens que a formaram visto que quando o azul do céu está coberto de estrelas o orvalho desce sobre as flores, ele não é comparável à chuva à qual supera em frescura e em beleza. O orvalho só existe de noite; assim que o Sol dardeja os seus raios quentes faz desaparecer as encantadoras pérolas que cintilam nas extremidades das ervinhas dos prados e o orvalho transforma-se em subtil vapor.»
As cartas de Teresinha são enganadoramente de uma grande simplicidade. Talvez esperássemos que a santidade tivesse um aspeto mais sublime! Mas é preciso descobrir a força do amor que se esconde nos mais pequeninos acontecimentos. E continua:
«O astro divino ao contemplar a sua gotinha de orvalho atraí-la-á a Ele, ela subirá como um leve vapor e irá fixar-se por toda a eternidade no seio da fornalha ardente do amor incriado, e ficará para sempre unida a Ele. (…) Como ficarão então espantados aqueles que neste mundo tinham considerado inútil a gotinha de orvalho!…»
Santa Teresinha é, assim, a santa de uma tremenda simplicidade, alguém que sabe qual é o seu lugar no universo, qual o seu lugar diante de Deus Criador. E por isso se sente pequena e frágil – daí também o seu sentido de pobreza espiritual, uma das características da sua vida e ensinamentos. A pobreza espiritual é uma das suas maiores caraterísticas, em tudo contrária aos exacerbados egos tão caraterísticos dos homens do nosso tempo. Traduz-se esta por um desejo de receber a salvação (e com ela todos os outros dons), como crianças, não como algo a que temos direito; mas receber tudo com humildade, como um dom gratuito de Deus. A sua vida de oração, sem comunicações divinas, sensíveis ou extraordinárias, pode parecer dececionante, mas Teresinha não desanima nem vacila na fé nem na esperança, e muito menos no amor. Acredita na bondade de Deus e não se sente abandonada. A sua peregrinação nesta vida é desprovida de consolações e por isso vai andando pelo caminho traçado por Deus. Aceita a sua vocação e missão, por pobre que lhe pareça, e diz que «a perfeição consiste em fazer a Sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos» (Ms A 2v).
Teresinha permanecerá sempre pequena e necessitada dos cuidados e do amor de Deus, como as criancinhas da atenção dos seus pais. Mas as obras são necessárias, pois quem se sente amado, mostrar-se-á naturalmente agradecido, sem se inquietar por não ser perfeito. Deus atua gratuitamente e com misericórdia e para ela este é o atributo divino que a faz compreender melhor todos os outros. Na mesma carta diz a Celina:
«Jesus não chama as almas todas a serem gotas de orvalho (…) Jesus bem sabe que na terra é difícil conservar-se puro, por isso quer que as suas gotas de orvalho se ignorem a si mesmas, compraz-Se em contemplá-las mas só Ele as vê, e quanto a elas, não conhecendo o seu próprio valor consideram-se abaixo das outras criaturas…»
É muito interessante que o Papa Francisco na Exortação Apostólica, C’est la confiance, nº 23, nos diga: «A confiança que Teresinha fomenta não deve ser entendida apenas em referimento à própria santificação e salvação. Mas possui um sentido integral, que abraça o conjunto da existência concreta e aplica-se a toda a nossa vida, onde muitas vezes nos dominam os medos, o desejo de seguranças humanas, a necessidade de ter tudo sob controle. É aqui que aparece o convite ao santo “abandono”».
Para a santa de Lisieux, a verdadeira infidelidade é a soberba espiritual. Já que «é próprio do amor abaixar-se» é também necessário que sejamos humildes, que nos abaixemos, que tenhamos a coragem de aparecer diante de Deus com toda a nossa pobreza espiritual, sem medos e com absoluta confiança qual gotinha de orvalho que não inveja regatos nem rios.
Assim, verificamos como este símbolo da gotinha de orvalho é mais um dos recursos desta Doutora da Igreja para nos ajudar a perceber o nosso lugar diante de Deus, dos outros e das demais criaturas.