Dez 14, 2021 | Economia e fé

Professora. Carmelita Secular

Economia e Espiritualidade

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Economia e espiritualidade foi o mote para a conversa no painel “cuidar em tempos de crise” no último Congresso de Espiritualidade[1]. Numa primeira abordagem pode parecer que estes dois conceitos não têm nada em comum, mas na verdade têm e muito…  é o próprio Papa Francisco que nos vem alertar para essa realidade. Quer com a carta encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum, quer com a recente iniciativa a que chamou de “Economia de Francisco”.

Na carta encíclica o Papa Francisco traça-nos um percurso sobre o que está a acontecer à nossa casa (o nosso planeta), referindo a raiz humana da crise ecológica, apontando as linhas de uma ecologia integral e chamando a atenção para um urgente novo estilo de vida.   Para isso é fundamental um alinhar do progresso económico com o progresso social e moral, como nos é referido: «os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem» (parágrafo 4)[2]. Já o Papa João Paulo II tinha alertado que «o progresso humano autêntico possui um carácter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural e «ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado»[3]. Também o Papa Bento XVI chamou a atenção para estes assuntos: «eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito do meio ambiente[4]».

Esta encíclica traz um modelo na sua génese, o Papa afirma que não quer prosseguir esta encíclica sem invocar um modelo belo e motivador, acha que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade (parágrafo 10). E deixa um apelo referindo que o urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum (parágrafo13).

Estas são palavras de esperança que nos fazem acreditar que a mudança é possível. Santa Teresa de Ávila muitas vezes referiu que Deus não muda, na sua essência, no seu infinito amor à humanidade. Mas a humanidade é chamada a mudar, a mudar muitos dos seus hábitos de vida, de consumo, de apego ao material.

O apelo atual é por uma economia mais justa, inclusiva, sustentável, que não deixe ninguém para trás! Com o projeto “Economia de Francisco”[5] é lançado aos jovens economistas e empreendedores, serem agentes de mudança dando uma nova alma à economia!

Uma economia baseada em novos valores, que tenha como meta o desenvolvimento sustentável, assente em conceitos como o triple bottom line (a tomada de decisão tendo em conta os fatores não só económicos, mas também os fatores sociais e ambientais), a economia circular que por oposição à economia linear se foca no produto ao longo de todo o seu ciclo de vida respeitando o ambiente e ponderado o seu fim de vida na reintrodução de outros processos produtivos (por exemplo).

Uma economia que não mate, mas que repense os valores sociais e morais. E muitas são as empresas que vão dando passos neste sentido como nos é relatado em interessantes conversas entre um monge (Anselm Grun) e um gestor (Jochen Seitz)[6]. Nestas conversas o primeiro refere que existem estudos de economia que demonstram que as empresas que se orientam por valores, a longo prazo, têm um sucesso mais duradouro do que aquelas que apenas se interessam por dinheiro. Os valores fazem com que a vida seja valiosa. Os valores dão a uma empresa o seu valor a longo prazo. Os valores fazem com que fiquemos saudáveis e fortalecem o trabalho em comum. O segundo partilha que a empresa Puma, que liderou durante cerca de 20 anos, tem como um dos seus objetivos assegurar que em todas as fábricas espalhadas pelo mundo, os salários dos trabalhadores não qualificados lhes permitam levar uma existência segura, que lhes possibilitem um padrão de vida para toda a família, a educação das crianças, assim como a possibilidade de terem poupanças no respetivo país.

Outras respostas têm sido dadas pelas empresas nomeadamente nesta altura de crise com a alteração dos processos produtivos (+ emprego + sustentabilidade económica), iniciativas como o “Repair café”, o teletrabalho que tentar permitir um maior apoio aos filhos, maior aposta na Economia Circular, novas regras e incentivos à divulgação de informação não financeira seguindo diretrizes e modelos como o GRI (Global Reporting Iniciative), o UN Global Compact das Nações Unidas, entre outros.   Oxalá consigamos passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha, numa ascese que «significa aprender a dar, e não simplesmente renunciar. Esse é um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa. É libertação do medo, da avidez, da dependência (parágrafo 9).


[1] IX Congresso de Espiritualidade, Organizado pelos Institutos de Inspiração Cristã Carmelita e Teresiana, que decorreu na Domus Carmeli, Fátima de 22 a 24 de outubro, 2021.

[2] Os parágrafos indicados são da carta encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum.

[3] Paragrafo 5, João Paulo II – Carta enc. Sollicitudo rei socialis, 1987.

[4] Paragrafo 6, Papa Bento XVI – Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 2007], par.6.

[5] Podem ser encontrados muitos vídeos e informações diversas sobre este projeto, esta escola de Francisco em https://francescoeconomy.org/.

[6] No livro: Deus, Dinheiro e Consciência – Diálogo entre um monge e um gestor, Paulinas Editora.

O apelo atual é por uma economia mais justa, inclusiva, sustentável, que não deixe ninguém para trás! Com o projeto “Economia de Francisco” é lançado aos jovens economistas e empreendedores, serem agentes de mudança dando uma nova alma à economia!

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