Dez 28, 2021 | Entre fé e ciência

Médico – Carmelita Secular

Religião e Ciência: campos opostos?

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Ao longo dos tempos, fomo-nos habituando a pensar que a Religião e a Ciência são campos opostos. Uma assente em crenças e mensagens dogmáticas e a outra assente em evidência e dados concretos. Uma baseada em fé e a outra na razão.

Esta forma de pensar advém de vários séculos de combate, motivados por “graves incompreensões, consequentes de mal-entendidos ou erros” (1), como afirmou o São João Paulo II em 1983, de que são exemplo os casos de Darwin ou Galileu. Dois cientistas que colocaram em causa as ideias de evolução (e consequentemente da criação), do funcionamento do Universo e da centralidade do planeta Terra que a Igreja defendia na altura e que motivaram um combate das estruturas eclesiásticas ao conhecimento científico que nascia na altura.

No entanto, esquecemo-nos de vários exemplos de homens da Igreja que contribuíram para a evolução do conhecimento científico, como por exemplo Gregor Mendel, o pai das leis da hereditariedade ou ainda Georges Lemaître, um padre católico belga do século XX que se doutorou em física nos Estados Unidos da América e é considerado um dos pais da teoria do Big Bang. Foi Lemaître quem, baseando-se nos escritos de Einstein, afirmou que o Universo precisava de estar em expansão para se manter em equilíbrio, formulando a teoria do “átomo primordial” e do Big Bang, tendo o padre afirmado, em 1917, numa carta ao seu amigo van Severen “compreendi o fiat lux como a razão do universo”. Com os seus estudos, Lemaître encontrou a explicação científica para a formação do universo, para a Criação de Deus relatada no Livro dos Génesis.

O Papa Francisco, em 2014, afirmava “Quando lemos no Génesis a narração da Criação, corremos o risco de imaginar que Deus foi um mago, com uma varinha mágica capaz de fazer tudo. Mas não é assim! (…) O início do mundo não é obra do caos, que deve a sua origem a outrem, mas deriva diretamente de um Princípio supremo que cria por amor. O Big Bang, que hoje se põe na origem do mundo, não contradiz a intervenção criadora divina, mas exige-a. A evolução na natureza não se opõe à noção de Criação, porque a evolução pressupõe a criação dos seres que evoluem.” (2). E, de acordo com Guy Consolmagno, Diretor do Observatório do Vaticano e Presidente da Fundação do Observatório do Vaticano, apercebemo-nos que “O Génesis diz-nos quem é responsável por existir um Universo. A ciência explica como é que Ele o criou. A resposta à primeira não muda, é Deus. A resposta à segunda, dada pela ciência, nunca pára de mudar e de crescer”. (3)

Assim, podemos constatar que a religião e a ciência não são, ou não deviam ser, campos opostos ou antagónicos, mas sim conhecimentos complementares. Duas formas de ver a realidade e de a procurar compreender, que permitem adquirir uma visão alargada e o mais abrangente possível da Casa Comum, como a intitula o Papa Francisco. E o Papa, na sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium, esclarece que “A fé não tem medo da razão; pelo contrário, procura-a e tem confiança nela, porque «a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus», e não se podem contradizer entre si.” (4)

Já em 1983, São João Paulo II afirmava que “A Igreja apoia a liberdade de pesquisa, que é um dos atributos mais nobres do homem. Mediante a pesquisa, o homem chega à Verdade: um dos nomes mais formosos que Deus deu a si mesmo. Porque a Igreja está convencida de que não pode haver contradição real entre a ciência e a fé, uma vez que toda a realidade procede em última instância de Deus Criador.” (1) E continua “É certo que ciência e fé representam duas ordens de conhecimento distintas, autónomas nos seus procedimentos, mas convergentes finalmente no descobrimento da realidade integral que tem a sua origem em Deus”. (1)

Mas o Papa Francisco, em 2014, deixou um alerta aos homens e mulheres da Ciência: “quando no sexto dia da narração do Génesis, chega a criação do homem, Deus confere ao ser humano outra autonomia, uma autonomia diferente daquela da natureza, que é a liberdade. E diz ao homem que dê um nome a todas as criaturas e progrida ao longo da história. Torna-o responsável da criação, também para que domine a Criação e a desenvolva, e assim até ao fim dos tempos”. (2) Mais recentemente, em julho de 2021, indicou o caminho que a Ciência deve percorrer: “Nenhum saber científico deve caminhar sozinho e sentir-se autossuficiente. A realidade histórica torna-se cada vez mais una, única e deve ser servida na pluralidade dos conhecimentos, que na sua especificidade contribuam para o crescimento de uma nova cultura capaz de edificar a sociedade, promovendo a dignidade e o desenvolvimento de cada homem e mulher.” (5)

E deixou um pedido: “Peço-vos que acompanheis a formação das novas gerações, ensinando-as a não ter medo do esforço de investigação. Até o Mestre se faz procurar: Ele infunde em todos a certeza de que quando procuramos com honestidade encontramos a verdade. A mudança de época precisa de novos discípulos do conhecimento e vós, caros cientistas, sois os mestres de uma nova geração de pacificadores. Asseguro-vos que estou próximo de vós e toda a Igreja vos está próxima, com a oração e o encorajamento.” (5)

Referências

(1) – DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II A UM GRUPO DE CIENTISTAS, Sala Régia do Palácio Apostólico do Vaticano, Segunda-feira, 9 de Maio de 1983; A um grupo de cientistas e de pesquisadores (9 de maio de 1983) | João Paulo II (vatican.va)

(2) – DISCURSO DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DA INAUGURAÇÃO DE UM BUSTO  EM HONRA DE BENTO XVI, Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências, Segunda-feira, 27 de Outubro de 2014; Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências e inauguração de um bustoem honra de Papa Bento XVI (27 de outubro de 2014) | Francisco (vatican.va)

(3) – Ciência vs. Deus. Um cientista e um padre entram num bar… – Observador

(4) – EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM DO SANTO PADRE FRANCISCO AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL; Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24 de novembro de 2013) | Francisco (vatican.va)

(5) – MENSAGEM EM VÍDEO DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DO ENCONTRO INTERNACIONAL “A CIÊNCIA PELA PAZ”; Mensagem em vídeo do Santo Padre por ocasião do Encontro Internacional “A ciência pela paz” (2 de julho de 2021) | Francisco (vatican.va)

Ao longo dos tempos, fomos nos habituando a pensar que a Religião e a Ciência são campos opostos mas, na realidade, elas são complementares entre si e contribuem para uma compreensão mais alargada de tudo o que nos rodeia.

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