Jan 18, 2022 | Cultura no feminino

Jurista . Carmelita Secular

Edith Stein – (1891- 1942): Uma mulher do nosso tempo

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Nascida numa família judia em 12 de Outubro de 1891, em BRESLAU, Edith Stein representa o drama de uma mulher dotada de uma inteligência superior, porém, discriminada pelas concepções politicamente correctas da época histórico – política em que viveu.

Filha de  Auguste Stein (nascida Courant) e Siegfried Stein, ambos de famílias judias, Edith Stein foi a 11ª filha deste casal, nascida em Breslau[1], no dia da festa do Yom Kippur[2] daquele ano de 1891. Seu pai – comerciante, que geria um negócio de madeiras, faleceu em 10 de Julho de 1893, de insolação, quando Edith ainda não perfizera dois anos.

Com pulso firme e determinação invulgar[3], a sua mãe conseguiu fazer progredir o comércio de madeiras e sustentar a família.

Edith Stein entrou para a escola primária assim que completou seis anos de idade, em 12 de Outubro de 1897 e, não obstante ter apanhado o ano escolar já a meio[4], logo se revelou uma das melhores alunas, de uma curiosidade intelectual enorme, para a sua idade. Porém, e para espanto de todos, em 1906, com quinze anos de idade, saiu da escola e passou ano e meio em Hamburgo, em casa da sua irmã Else Stein, que estava casada com o médico dr. Gordon. Nessa altura, afastou-se da Igreja e dos rituais judaicos e auto intitulou-se “ ateia”.

Regressou a Breslau e aos bancos da escola e, em 1908, ingressou no Liceu ( Oberlyzeum der Breslauer Viktoriaschule) tendo completado o “Abitur”[5] em 1911.

De 1911 a 1913 estuda na Universidade de Breslau, durante quatro semestres, Alemão, História e Psicologia, onde ouve falar, pela primeira vez, da fenomenologia e do Professor Husserl.

Parte para Göttingen e, de 1913 a 1915, estuda na Universidade de Göttingen, Filosofia, com o Prof. Husserl, o percursor da Fenomenologia e do Método Fenomenológico[6].

Em breve se torna a aluna preferida do Professor Edmund Husserl e, como filósofa, Edith preocupa-se incessantemente na procura da VERDADE.

Em Janeiro de 1915 Edith termina a sua Licenciatura – Examen pro facultate docendi  ( Staatsexamen) em Filosofia, História e Alemão e, de Abril a Setembro de 1915 trabalhou como enfermeira voluntária da Cruz Vermelha em Mährisch – Weisskirchen, dadas as condições adversas da 1ª guerra mundial, que rebentara em 1914. 

Após esta experiência como enfermeira voluntária, regressa à Universidade e começa, então, a preparar o seu doutoramento, desenvolvendo o tema da EMPATIA, sob a orientação de Husserl.

Em 1916 completa o Doutoramento com uma Tese sobre a EMPATIA, na Universidade de Freiburg, onde obteve a maior classificação – summa cum laude.

Husserl convida-a para sua Assistente, e a sua procura pela Verdade torna-se mais intensa. Em 1917, com a notícia da morte do seu amigo e antigo colega em Göttingen, Adolph Reinach, que caíra na frente de guerra, apressa-se a ir a sua casa, a fim de tentar consolar a viúva, Anna Reinach. Esta, porém, mostra-se reconfortada na sua fé cristã, encontrando na Cruz de Cristo uma força e um consolo que Edith Stein descreve, mais tarde, como o seu “primeiro encontro com o segredo da Cruz de Cristo”.

As suas expectativas como Assistente universitária[7] de Husserl acabam em desilusão – o Professor paga-lhe 100 marcos pelo seu trabalho, que se resume a colocar em ordem todos os papéis dispersos, arrumar-lhe os papéis e os livros, não passando de mera secretária, afinal.

Em 1918 separa-se de Husserl e, em 1919 tenta, em vão, aceder ao exame de Habilitation[8] nas Universidades de Göttingen e em Kiel[9].

Em 1919 envolveu-se na luta pelos votos das mulheres, na Alemanha.

Sem meios de subsistência, regressa a Breslau à casa de família e passa por uma crise interior.

Em 1921 vai passar o Verão a casa de um casal de filósofos, seus amigos do tempo de Göttingen[10] e aí, em Bergzabern/Südpfalz, descobre, na Biblioteca da casa, um livro, que terá a máxima influência na sua vida daí para a frente – trata-se da Biografia da Santa Teresa de Jesus, com escritos da própria – livro este que lê durante uma noite inteira.

Quando acaba de ler, exclama: Isto é a Verdade![11]

A partir daí começa uma caminhada que só terminou no convento carmelita de Colónia.

Baptizou-se no dia 1 de Janeiro de 1922 na Igreja St. Martin, em Bergzabern  e recebeu a Confirmação no dia 2 de Fevereiro desse mesmo ano.

De 1923 a 1931 leccionou no Liceu das Dominicanas no Convento de Santa Madalena em Speyer (Espira), período este que declarou ter sido o mais feliz da sua vida, não obstante viver num quartinho minúsculo situado na Portaria do Convento.

Dá conferências por toda a Alemanha, quer sobre Filosofia, quer sobre a posição da mulher na sociedade, defendendo os direitos das mulheres.

De 1932 a 1933  leccionou em Münster no Instituto de Pedagogia Científica.

Porém, em Janeiro de 1933, com a subida de Hitler ao Poder e a aprovação das leis raciais, o seu magistério torna-se impossível, bem como todas as funções oficiais exercidas por judeus.

Nesta altura, recusa deixar a Alemanha e ingressar como docente numa Universidade sul americana.

Por influência do seu director espiritual – Raphael Walzer, Prelado Superior do Convento Beneditino de Beuron[12] – Edith Stein ingressou no Carmelo de Colónia em 1933 e, em 15 de Outubro de 1933 (dia de Santa Teresa de Ávila) vestiu o hábito carmelita e adoptou o nome de TERESA BENEDICTA da CRUZ, em homenagem a Santa Teresa de Ávila, ao Convento Beneditino de Beuron e a São João da Cruz, cuja biografia a inspirou no seu livro “ A Ciência da Cruz”.

Entretanto, com a morte da mãe em 1936, a sua irmã Rosa deixou a casa em Breslau e foi viver com ela para o Convento de Colónia, com a Portaria a seu cargo.

Em 1938 tomou os votos perpétuos e deu conta, dentro do convento, dos acontecimentos trágicos da “ Noite de Cristal”, de 9 para 10 de Novembro de 1938, quando os  nazis mandaram queimar os estabelecimentos e lojas de todos os judeus.

Em 1939, pessoas da sua família emigram para os EUA, com o estalar da 2ª guerra mundial. Edith e a sua irmã Rosa conseguem ingressar no convento de Echt, na Holanda.

Com a ocupação da Holanda, e frustrada a tentativa de partir para um Convento na Suíça, Edith Stein e a sua irmã Rosa são levadas para o Campo de Concentração de 

Auschwitz, onde morrem nas câmaras de gás a 9 de Agosto de 1942[13].

Em 1962 foi aberto o processo de beatificação e canonização de Edith Stein.

Em 1987, o Papa João Paulo II beatificou-a, tendo sido declarada Santa em Outubro de 1998.

Em 1 de Outubro de 1999 Edith Stein, juntamente com Brigitte da Suécia e Catarina de Sena foram declaradas Patronas da Europa pelo Papa João Paulo II.

A sua obra filosófica e mística é muito vasta.

Vale a pena ler.  

***

Edith Stein pode ser uma inspiração para todos aqueles que se sentem injustiçados ou desvalorizados nas suas profissões.

Ela não conseguiu aceder a uma cátedra universitária, por contrariar o politicamente correcto do seu tempo – por ser mulher, por ser judia, por ser católica.

O seu lugar de Assistente foi tomado por Heidegger, nascido em Messkirch (a escassos 18 Km de Beuron) que manifestou ser simpatizante nazi!

A sua vida e o seu percurso de fé e resistência podem ser uma inspiração!


[1] Naquela data, no Leste da Alemanha. Hoje pertence à Polónia com o nome de Wroclaw.

[2] A festa do YOM KIPPUR (“Dia do Perdão”) é uma das datas mais importantes do judaísmo, celebrada uma vez por ano. No calendário judaico começa no crepúsculo que inicia o décimo dia do mês hebreu de Tishrei (que coincide com Setembro, Outubro ou Novembro), continuando até ao seguinte pôr do sol. Os judeus tradicionalmente observam esse feriado com um período de jejum de 25 horas e oração intensa.

Citando o Levítico 23:27 “Ora, o décimo dia desse sétimo mês será o dia da expiação; tereis santa convocação, e afligireis o vosso espírito; e oferecereis oferta queimada ao SENHOR.”

[3] Naquela época, uma viúva com sete filhos (haviam já morrido quatro), normalmente, teria de se acolher à protecção da sua família, submetendo-se ao sustento de irmãos e/ou cunhados. Auguste Stein rejeitou este destino e, com firmeza, conseguiu levar para a frente o negócio de madeiras, com que sustentou a família.

[4] Naquela época, na Alemanha, o ano escolar começava na Páscoa

[5] Exame que marca o final do percurso liceal e permite o ingresso num curso superior, numa universidade

[6] Göttingen é um outro mundo, muito diferente de Breslau. Aqui, a maior parte da população era judia e a família de Edith Stein era composta, na sua maioria, por judeus ortodoxos, orgulhosos das suas origens, da sua fé e praticando todos os rituais. Havia, sobretudo, médicos, na sua família e a mãe teria preferido que ela tivesse estudado medicina. Göttingen, ao contrário, situa-se, geograficamente, na parte católica da Alemanha

[7] Rigorosamente Edith Stein não era uma Assistente Universitária no sentido actual, ou seja, não era contratada pela Universidade, mas pelo Professor. Este, por sua vez, era apenas Privatdozent, ou seja, era pago pelos seus alunos e não pela Universidade. Quanto mais popular fosse um Professor, mais procurado era, e quantos mais alunos, maior o seu salário.

[8] Corresponde a um exame para ingressar numa Universidade, como Leitora ou Assistente

[9] Um dos seus livros mais emblemáticos – “Ser Finito e Ser Eterno” (Endlich und Ewig sein) – foi escrito a pensar numa Habilitação a uma Universidade.

[10] Hedwig e Theodor Conrad-Martius

[11] Atente-se que Teresa de Ávila também era de origem judia, o que pode ter levado Edith Stein a identificar-se imediatamente com ela

[12] Beuron, no Sul da Alemanha, era o local onde Edith Stein ia beber a espiritualidade de que necessitava, concretamente, ao Convento Beneditino, que ainda hoje lá está. É um local no meio da Floresta Negra, rodeado de natureza, onde se respira espiritualidade. O seu rasto ainda hoje lá está, tanto no nome dos hotéis, como nos caminhos, cf. Hotel Haus Maria Trost, Edith Stein Weg, etc.

[13] Comemora-se o dia de Edith Stein a 9 de Agosto, dia da sua morte

Edith Stein pode ser uma inspiração para todos aqueles que se sentem injustiçados ou desvalorizados nas suas profissões.

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