A minha mãe sempre me avisou para não pecar contra a esperança. Considerando que eu era uma criança que facilmente ficava frustrada quando as coisas não corriam de acordo com os meus planos, esta frase era uma que ouvia habitualmente.
Na verdade, ainda em “adulta” (se é que me posso considerar uma pessoa adulta) ainda tenho o mesmo problema. Contudo, a minha mãe nunca me iludiu. A esperança não é necessariamente o facto de que as coisas irão ser melhores. Afinal, ilusões acabam por nos frustrar ainda mais. Ao contrário, a esperança apresenta uma possibilidade de mudança. Não implica que as coisas irão mudar, mas implica que podem mudar. No mito de Pandora, quando os homens abrem a caixa e de lá saem todos os males do mundo, no final da caixa reparam que lá ficou a esperança. E por alguma razão, mesmo perante todos os males que vemos no mundo, continuamos a ter uma réstia de esperança de que as coisas possam ficar melhor.
Vivemos tempos conturbados. Na verdade, é difícil identificar alguma época da história em que não os tenhamos vivido. Parece cada vez mais difícil manter a esperança. Vivemos numa pandemia, continuamos a ver conflitos a não serem resolvidos, pessoas a morrerem de doença e de fome (males que a esta altura já deveriam estar resolvidos) alterações climáticas mortíferas e agora, na Europa, vemos o impensável. A erupção de outra guerra. Pior, além destas pragas que assolam universalmente o planeta e a humanidade, ainda temos injustiças ligadas ao facto de uma pessoa ser de determinada religião, de determinada cor e de determinado sexo e/ou género.
Vou ser sincera, o presente parece ser um caldo ambivalente de esperança e desilusão. Onde eu vivo, já tenho o direito ao voto, à educação, e em estar em posições de poder onde não podia estar há 50 anos. Mas em muitos outros sítios, mulheres e raparigas ainda lutam por algo basilar como a sua dignidade, pela possibilidade de serem vistas como seres humanos iguais aos homens. Como querem que eu consiga olhar para os resultados positivos e sentir-me esperançosa, quando ainda tantas meninas têm de lutar mais fervorosamente simplesmente por serem meninas? Bem, a resposta que vos trago não é uma de certeza, mas como já podem adivinhar uma de esperança.
Antes do Concílio do Vaticano II, as missas católicas eram realizadas apenas em latim. Dado que a maioria das pessoas não tinham educação em latim, muitas não compreendiam o que estava a ser dito. Os padres realizavam as cerimónias, virados de costas para a Assembleia e as mulheres tinham de utilizar um véu negro se quisessem participar na missa. Muitas tradições que pareciam fundamentais na constituição da Igreja Católica mudaram de modo a adaptarem-se ao mundo moderno e às pessoas modernas que nele vivem. E posso dizer que na minha opinião mudou para melhor. Não só a Igreja mudou, mas também o mundo. E nem sempre pior. Apesar das desigualdades ainda presentes, nas últimas décadas os níveis de pobreza extrema nunca estiveram tão baixos[1]. Doenças que matam milhões como a malária já têm uma vacina. E agora, 18 pacientes de cancro retal entraram em remissão depois de um ensaio clínico. A esperança existe e às vezes o que ela preconiza torna-se real. E esta é a mensagem de Cristo. Cristo é a prova de que há sempre possibilidade de as coisas puderem-se tornar melhor. Há possibilidade de remissão. Há possibilidade de perdão. Há possibilidade de renovação. Não estamos eternamente condenados a viver nas trevas.
A falta de esperança é algo que nos tentam incutir para que deixemos de querer agir. Para que desistamos da mudança e aceitamos as coisas tal e qual como elas estão. Mas se as coisas não estão bem, não devemos simplesmente ficar passivos e desistir. Desistir não é a solução, porque isso significa que não iremos descobrir a luz e que simplesmente nos contentaremos com as trevas. E num mundo que precisa constantemente de luz não nos podemos dar ao luxo de nos deixarmos ficar na escuridão. As mulheres que lutaram pelos direitos que eu hoje tenho, perante inúmeras adversidades não perderam a esperança e continuaram a lutar para que todas as mulheres pudessem ser consideradas cidadãs dignas de direitos. E como eu quero um futuro que seja assim para todas as mulheres do mundo, recuso-me a perder a esperança. Mesmo quando ela parece querer escapar de mim.
[1] Ainda que, face à pandemia e à Guerra da Ucrânia este número possa aumentar. Mais informações em https://www.worldbank.org/en/topic/poverty/overview