Jun 28, 2022 | Casa comum, Vida da Terra

Professora aposentada. Carmelita secular.

Somos da terra

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Desde o início da evolução da vida na Terra, todos os elementos da natureza – rochas, solos, água, atmosfera e seres vivos –, se relacionam uns com os outros. No estado actual da evolução, as sociedades humanas continuam a fazer parte da natureza, que assegura a sua subsistência e sustenta numerosas actividades económicas. Esta premissa é fundamental para a ecologia integral da Encíclica Laudato Si’.

«Quando falamos de ‘ambiente’, fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental. As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.» (Laudato Si’, 139).

É esta uma citação um pouco longa, mas necessária, porque cada palavra tem o seu peso, de modo a facilitar a compreensão da importância da mensagem que sustenta o Cuidar da Casa Comum: a humanidade não está fora da natureza; tantos os habitantes das grandes metrópoles, como os moradores das pequenas aldeias, nas florestas tropicais ou perto do Círculo Ártico, fazem parte da natureza. Desde o início, portanto, a vida desenvolveu-se na Terra interligada com os outros elementos da natureza.

A «história» da Terra inicia-se há cerca de 4500 milhões de anos (Ma)[i]. Era um planeta ainda em fusão, que arrefece ao longo de algumas centenas de milhões de anos. Os primeiros seres vivos unicelulares aparecem, no oceano primordial, há 3800 Ma. Mais tarde, algumas bactérias introduzem uma «inovação» com a energia solar: a fotossíntese, um novo processo de produção de matéria orgânica, com dióxido de carbono e água, de que resulta a libertação de oxigénio. A partir de 2500 Ma, surge um novo processo energético, a respiração, que permite um forte aumento da complexidade biológica e diversidade dos microorganismos no oceano. Por outro lado, o oxigénio liberto pela fotossíntese acumula-se na atmosfera, formando‑se a camada de ozono que protege a superfície da terra dos raios UV.

Há cerca de 540 milhões de anos, começa o tempo da vida visível (Fanerozóico), até aos nossos dias. No primeiro período do Fanerozóico, o Câmbrico, houve uma «explosão da vida» nos oceanos, onde animais e vegetais se diversificaram antes das primeiras plantas colonizarem a terra firme. Os primeiros fósseis de plantas terrestres, entre elas os antepassados dos musgos atuais, são datados de 470 milhões de anos.

Sucedem-se, a partir de então, longos períodos de intensa vida biológica, cada vez mais complexa, separados por cinco extinções em massa, que atingiram, sobretudo, o reino animal marítimo, desaparecendo, em cada extinção, pelo menos 60 a 90% das espécies. A última é a mais conhecida: há 66 Ma, a queda de um asteróide na península do Iucatã (México) provocou uma crise ecológica, que extinguiu (apenas) 50% das espécies, entre elas, os dinossauros. Nos períodos a seguir, inicia‑se a diversificação dos mamíferos, das aves, de numerosas espécies, aumentando pouco a pouco a biodiversidade global… até ao aparecimento dos primeiros grupos de seres humanos Homo sapiens, há cerca de 300.000 anos. Muitos cientistas auguram que estamos à beira de uma sexta extinção, de origem essencialmente humana, pela intensificação desregrada da exploração dos recursos naturais, a destruição dos ecossistemas marítimos e terrestres, e as alterações climáticas.

Acerca da teoria da evolução, foi o futuro Papa Bento XVI que, num texto de 1968, assumiu uma posição pioneira: «A teoria da evolução não elimina a fé, também não a confirma. Mas incita-a a compreender-se com mais profundidade, e assim ajuda o ser humano a compreender-se e a tornar-se cada vez mais o que ele é: o ser que na eternidade há-de dizer “tu” a Deus»[ii]. Mais tarde, em 1981, comentando os primeiros capítulos de Génesis, o Papa Emérito voltou a referir a articulação entre evolução e criação. A primeira explica como surgiu a vida, a segunda liga-se ao que somos: frutos da liberdade e do amor de Deus, e não um mero produto do acaso.

Por sua vez, o Papa João Paulo II marcou uma etapa importante em 1996, três anos depois da Pontifícia Comissão Bíblica ter publicado um importante documento sobre os métodos rigorosos para interpretação da Bíblia[iii]. Nesta dinâmica, e considerando a importância das questões levantadas pelos trabalhos da ciência, João Paulo II afirma que «novos conhecimentos levam a pensar que a teoria da evolução é mais do que uma hipótese»[iv].

A vida nos oceanos e suas reacções químicas, as variações climáticas, o tipo de rochas alteradas pelas raízes vegetais, a formação dos solos com a colonização vegetal nos continentes, a físico-química das águas continentais, a actividade vulcânica que irrompe em determinados períodos e espaços, são alguns dos mais importantes elementos e acontecimentos na evolução da vida, onde tudo está ligado. Por isso, na actualidade, um biólogo ou um ecologista deve ter noções de climatologia, geologia, hidrologia, geografia e antropologia, como também um climatólogo, um geólogo, e etc., têm vantagem em adquirir noções de biologia e ecologia. Esta transdisciplinaridade, à escala pessoal, é muito construtiva nos nossos dias, em que as pesquisas são muitas vezes realizadas por equipas multidisciplinares de cientistas. Esta foi, precisamente, a mensagem do Papa Francisco para o Encontro Internacional “A ciência pela paz” em julho de 2021: «Nenhum saber científico deve caminhar sozinho e sentir‑se autossuficiente. A realidade histórica torna-se cada vez mais una, única e deve ser servida na pluralidade dos conhecimentos, que na sua especificidade contribuam para o crescimento de uma nova cultura capaz de edificar a sociedade, promovendo a dignidade e o desenvolvimento de cada homem e mulher»[v].


[i] Zoccoli, Margarida (2021). Um olhar científico sobre ecologia e espiritualidade, Revista de Espiritualidade, Ano XXIX, nº 113, pp.7-23.

[ii] Aucante, Vincent (2008). Création et évolution. La pensée de Benoît XVI, Nouvelle revue théologique, 130, 3, pp. 610-618 – https://www.cairn.info/revue-nouvelle-revue-theologique-2008-3-page-610.htm

[iii] Vaticano (1993). A interpretação da Bíblia na Igreja, Pontifícia Comissão Bíblica.

[iv] João Paulo II (1996). Mensaje del Santo Padre Juan Pablo II a los miembros de la Academia Pontificia de Ciencias, Vaticano, 22 de octubre de 1996

[v] Citado em Borges, Gustavo T. (2022). Religião e Ciência, campos opostos? Claustro, 28/12/2021, https://claustro.carmelitas.pt/?p=601

Nicole Vareta

Professora aposentada. Carmelita secular.

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