Embora ainda hoje permaneça a dúvida, queremos aqui manifestar a nossa posição pela positiva – ou seja, com base nos seus escritos e na sua obra filosófica, estamos em crer que SIMONE WEIL (tal como Edith Stein) se converteu ao cristianismo.
No entanto, a razão pela qual possam existir posições contrárias é que, enquanto em Edith Stein, a sua entrega foi inequívoca, total e assertiva, carmelita convertida, com Simone Weil as preocupações políticas parecem, por vezes, sobrepor-se às questões religiosas.
Analisemos a sua obra “ A Pessoa e o Sagrado”, que contém o subtítulo “ A pessoa humana é sagrada?” (editora “ Guerra e Paz”, 1ª edição Janeiro de 2022)[1].
Refere o Editor: “ Diga-se que, em 1935, Portugal foi o inimaginável, de tão improvável, ponto de viragem do pensamento de Weil. Na Póvoa de Varzim, assistiu a uma procissão católica. Um cortejo de mulheres der pescadores,, vestidas de negro, percorria a praia, em luto, promessas e orações pelos maridos, e esses cantos, « de uma tristeza lancinante», segundo palavras suas, abriram nela a ferida mística que não mais a largaria. Depois, o que ela designa como os seus encontros místicos levá-la-ão a uma aproximação ao catolicismo: « Foi aí que tive, subitamente, a certeza de que o cristianismo é a religião dos escravos, a religião que os escravos, ou eu ou os outros, se não podem recusar». Maia tarde, a leitura de um poema, «Amor», do poeta e pastor anglicano George Herbert, provoca-lhe o êxtase espiritual supremo: «Cristo, ele mesmo, desceu e tomou-me». ( cf. ob. cit, pg 11).
Partindo das suas mais essenciais assunções filosóficas – a beleza, a justiça e o mal -, Simone Weil convoca também o direito e a democracia a este debate sobre a pessoa, isolando-a de qualquer colectividade, partido ou instituição, para se centrar no que é sagrado – e o que é sagrado é, afinal, sustenta Simone Weil, « aquilo que, num ser humano, é impessoal». Porque o impessoal é a vocação distintiva dos humanos: é essa impessoalidade que os singulariza perante as outras espécies.
Ouçamos Simone Weil:
“ Há, desde a tenra infância até ao túmulo, no fundo do coração de todo o ser humano, alguma coisa que, apesar de toda a experiência de crimes cometidos, sofridos e observados, espera invencivelmente que lhe façam bem e não mal. É isso, antes de qualquer outra coisa, que é sagrado em qualquer ser humano.
O bem é a única fonte do sagrado. Nada é sagrado senão o bem e o que é relativo ao bem.” ( ob cit, pg 22).
E afirma: O QUE É SAGRADO ESTÁ MUITO LONGE DA PESSOA, É AQUILO QUE, NUM SER HUMANO, É IMPESSOAL ( idem, pg 28).
O que é sagrado na ciência é a VERDADE.
O que é sagrado na arte é a BELEZA.
A Verdade e a Beleza são impessoais. Tudo isto é demasiado evidente.
Já na sua obra “ O enraizamento” Simone Weil debruça-se sobre a urgência de uma experiência mística traduzida em acçáo intelectual e política, reflectindo sobre a dimensão humana do trabalho, unindo no mesmo horizonte de compreensão o contributo racional da tradição grega e o acicate revelacional da tradição cristã.
Reflexão maior sobre a condição humana[2], Simone Weil orienta o seu pensamento para um reencontro da alma humana com Cristo, porém, verdadeiramente experienciada e vivida no mundo do trabalho – sobretudo na visão dos oprimidos, que apenas obedecem, produzindo o que de melhor espera deles… daí concluirmos pela sua conversão ao cristianismo ( embora haja quem entenda que as suas reflexões filosófico políticas se inclinem para teorias ditas de esquerda, sobrepondo-se às suas preocupações religiosas).
De facto, nos escritos de sua autoria “ Reflexões sobre as causas da Liberdade e da Opressão” e “ A condição Operária e outros estudos sobre a Opressão”, comercializados entre nós pela Livraria Bertrand, parece que as suas preocupações políticas se sobrepõem a quaisquer outras.
Anote-se, porém, que, tal como em Edith Stein, os seus escritos não podem ser interpretados sem a necessária ligação à época da sua vida em que foram produzidos.
Daí afigurar-se-nos poder concluir que Simone Weil se converteu ao cristianismo, sim, pela análise da obra referida primeiramente neste despretensioso artigo – “ A Pessoa e o Sagrado”, escrito em 1943, ou seja, no ano da sua própria morte – nesta data, Simone Weil já tinha passado pelas reflexões marxistas / trotskistas da adolescência, pelo sindicalismo, pela sua participação na guerra civil de Espanha, em 1936, ao lado dos anarquistas, pelas suas experiências laborais como operária e camponesa e pela Resistência francesa de 1942 – tendo viajado para Inglaterra, posteriormente, onde veio a falecer, com apenas 34 anos de idade, debilitada e mal alimentada, em solidariedade com os seus compatriotas submetidos ao racionamento, que a II Guerra Mundial veio impor.
Há sempre um acontecimento que se indica como a “ viragem” da fé judaica para o cristianismo.
No caso de Edith Stein, foi a leitura da biografia de Santa Teresa de Ávila, quando se encontrava em Bergzabern, em casa dos seus amigos, o casal de filósofos Hedwiges/Theodor Conrad Martius.
No caso de Simone Weil, foi o facto de ter assistido, em Portugal, em 1935, à procissão católica das mulheres dos pescadores, na Póvoa de Varzim.
Muito nos honra que Portugal, país católico, tenha inspirado a pensadora Simone Weil na sua conversão.[3]
[1] Traduçáo de RITA SOUSA LOPES
[2] Atente.se que Simone Weil trabalhou, ela própria, numa fábrica da Renault, com o objectivo de sentir, na sua própria pessoa, os problemas do proletariado e das classes dominadas – pode afirmar-se o cúmulo da coerência, não se limitando a teorizar filosoficamente sobre os problemas laborais, antes fazendo parte dessa mesma engrenagem.
[3] Atente-se que Simone Weil lutou ao lado dos anarquistas, na guerra civil de Espanha, em 1936.
De onde se conclui que, provavelmente, se dirigia para Espanha, nesta sua passagem pela Póvoa de Varzim, em 1935.