O desposório espiritual realiza-se através de um sim, dado quando se encontra a Deus através do véu da fé. É este um «sim de amor», «inteiro e verdadeiro», pelo qual o orante se entrega totalmente ao seu Amado, e Ele, em troca, promete entregar-se inteiramente ao orante.
Toda a obra de saojoanista está dedicada a descrever o processo da vida espiritual, com o objetivo de conduzir as almas orantes aos mais altos patamares da experiência mística. Para tal, oferece um elemento que «desempenha a função do fio na grinalda» (CB 30,9): o amor, que une todos os momentos da vida espiritual, conduzindo o orante à união com Deus, vocação de todos os homens e mulheres (cf. GS 19). O processo da vida espiritual é, pois, o aperfeiçoamento do amor, que transforma o ser humano de sensitivo em espiritual.
O Doutor Místico usa a imagem do pássaro solitário (cf. CB 14 e 15,24) para apresentar a mais alta das etapas de amadurecimento no amor: o desposório espiritual. Tradicionalmente, os místicos dividem o processo espiritual em três grandes etapas: via purgativa, via iluminativa e via unitiva. São João da Cruz, na introdução do Cântico Espiritual oferece-nos um processo dividido em quatro etapas; às tradicionais vias, portanto, acrescenta o estado beatífico (cf. CB, Arg, 1-2).
A primeira via – a purgativa – corresponde ao momento da tomada de consciência da ferida de amor que Deus deixa no coração humano, o que provoca uma busca pelo Autor de tamanha ferida: «Aonde Te escondeste, Amado, / e me deixaste num gemido?» (CB 1). Nesta primeira etapa, a alma é já submetida a várias purificações, ou noites escuras. Na via iluminativa o orante descobre através do conhecimento próprio e do conhecimento da criação que Deus é o Único Absoluto. No entanto, não se contenta com a imagem de Deus que lhe revelaram estes tipos de conhecimento, e aspira chegar ao encontro com Ele. Portanto, continua o seu caminho de ascensão a Deus, submerso na escuridade da noite, que o há de conduzir ao encontro com o Amado: «Não queiras enviar-me / Mais nenhum mensageiro / Porque dizer não sabem o que eu quero» (CB 6).
O encontro acontece na transição da via iluminativa para a via unitiva, onde acontecem o desposório e o matrimónio espiritual. Depois de consumada a união de amor, vem o estado beatífico, onde tudo é aspiração à glória: «Só lhe resta [à alma] mais uma coisa para desejar: gozar totalmente d’Ele na vida eterna» (CB 36,2).
O desposório espiritual, na compreensão das obras mais recentes de São João da Cruz (Cântico Espiritual B e Chama de amor viva B), é a mútua promessa de amor entre Deus e o orante, em ordem a um futuro matrimónio espiritual, onde se consuma a união de amor entre Deus e o orante. Neste sentido, afirmava José do Espírito Santo: «o desposório místico é uma íntima comunicação de Deus à alma, perfeitamente purificada, dispondo-a de imediato para o matrimónio espiritual» (Cursus, IV, Bruxelas 1931, 187).
Chegando à antecâmara do desposório espiritual, passadas as dificuldades das noites escuras do sentido e do espírito, o orante torna-se, pois, consciente de que não pode encontrar a Deus com as suas próprias forças, e que é o próprio Deus que vem ao seu encontro! E desta forma, a humana busca, ansiosa e incessante, transforma-se em humildade. A alma já não procura a Deus, pede-lhe, simplesmente, que se revele, que se «descubra» (CB 11, 4). O orante que aqui se achega só pode fazer uma coisa: dar-se por inteiro ao Amado. Porque o seu único bem é «o amor de Deus» (CB 11,11).
Como o encontro com Deus parece nunca mais chegar, e o orante acredita que já alcançou o centro do seu ser e da sua existência que é apenas Deus (cf. CB 12,1), olha para a fé como companheira de caminho, porque para chegar à perfeita união de amor e ao conhecimento de Deus é necessário recorrer o caminho na escuridade da fé (cf. CB 12,7). Mas esta noite já não é tão escura como as outras, pois traz já o “anúncio da aurora” (CB 15). A fé manifesta ao orante a presença de Deus, mesmo que de forma velada (cf. CB 12,4). E, vivida desde o amor, configura uma imagem mais perfeita e real do Amado. Logo, portanto, o conhecimento do Amado é um caminho de fé e de amor (cf. CB 12,4).
O desposório espiritual realiza-se através de um sim, dado quando se encontra a Deus através do véu da fé. É este um «sim de amor», «inteiro e verdadeiro» (CB 20-21,2), pelo qual o orante se entrega totalmente ao seu Amado, e Ele, em troca, promete entregar-se inteiramente ao orante. A essência do desposório está marcada por um carácter de fugacidade.
Tal encontro é rápido, e a alma ao sair do êxtase deste momento encontra-se num clima espiritual novo; descobre-se encontrada, prometida, com «um conhecimento de Deus novo» (CB 14-15,23), e ao mesmo tempo num estado de espera, de amor impaciente, de ausência. Por isso São João da Cruz diz que o pássaro solitário se coloca nos pontos mais altos, sozinho, mantendo-se em altíssima contemplação. Isto é – quer dizer o Santo – o orante que recebe este estado de perfeição no amor, procura recolher-se sempre na parte mais elevada do seu próprio espírito, no mais interior de si mesmo; no “espaço” que conquistou ao passar pelas purificações das noites escuras. Por essa razão, a oração neste momento é apenas uma espera, para que o Amado se entregue de todo ao orante – uma espera pela consumação da promessa do desposório.
O tempo decorrido entre o desposório e o matrimónio espiritual é um tempo em que o Amado embeleza a Sua amada, com os Seus dons e as Suas visitas, que continuam a aperfeiçoar a alma do orante no amor para a união em amor puro.
A noite da fé na qual vive a alma em desposório espiritual é uma «noite sossegada» (CB 15), porque o sossego e quietude que Deus oferece à alma mostram-lhe que a desejada aurora está próxima. O encontro com Deus traz ao orante a luz do sobrenatural conhecimento de Deus que, «embora não sendo claro, é escuro como a noite ao raiar da aurora» (CB 14-15,23).