Um pastorzinho, só e amargurado,
Alheio de prazer e de contento
Tem na sua pastora o pensamento
E o peito por amor tão magoado.
Neste dia 13 de maio, meu Jesus, contemplo-Te na simplicidade da figura de um pequeno pastorzinho que brincava por entre os montes e vales da Cova de Iria. Distraído andava nas suas brincadeiras e pensamentos, traquinices e ensaios de santidade. Ora olhava para as suas ovelhinhas, ora falava conTigo e com a Tua Mãezinha. Que pastorzinho tão humilde que em Ti percebia o seu Mestre Pastorzinho!
No seu peito pequenino e simples, deleitavas-Te com a sua ternura, a sua simplicidade, a sua devoção. O Teu terno Amor encontra no seu, alívio e espaço para Se dilatar.
Não chora por amor o haver chagado,
Pois lhe não dói assim ver-se afligido,
Embora o coração tenha ferido:
Mas chora de pensar ser olvidado.
O que acontece, Jesus, quando desvio o meu olhar do Teu e esqueço a simplicidade da infância e a espontaneidade do deslumbramento?
O que acontece, Jesus, quando me esqueço de Ti, do Teu Amor, da Tua Palavra, da Tua cumplicidade nos planos de Amor?
O que acontece quando me esqueço da Tua Cruz e apenas busco estar no Monte Tabor, afastando qualquer esforço?
Olvidado de Ti, começo a sobreviver, num ritmo frenético e patético à superfície de mim, ao sabor do mundo, numa busca desenfreada pelo poder, pelo prestígio, pelo conforto e fácil, pelo conformismo. De repente torno-me referência de mim mesmo e saltam como luzes néon as minhas razões, as minhas necessidades, os meus pontos de vista. As luzes néon psicadélicas cegam-me e deixo de ver qualquer outra alma… deixo de Te ver a Ti!
As luzes néon começam a cortar a minha alma e lentamente a destruição ameaça apoderar-se. Por entre as sombras da noite, percebo outras luzes néon como as minhas. O meu coração percebe a dor da minha e das outras almas… e percebe uma dor maior que me começa a inquietar…
Que só de se pensar já olvidado
Pela bela pastora, em dor tamanha
Se deixa maltratar em terra estranha,
Seu peito por amor tão magoado.
Pela Tua infinita Misericórdia, fazes-me sentir a Tua dor… um pulsar lancinante que chora e começa a acordar-me do torpor da superfície.
Carinhosamente vais-me chamando: “Pastorinha, minha alma! Anda, desce do tabor que esconde o Tabor. Anda, que quero amar-Te e ensinar-Te o Amor!”
Com a Tua Luz vais ofuscando os meus néones… pouco a pouco… Mergulhas comigo no abismo… no nosso Abismo de noite e Luz. Percebo que outras almas são atraídas para aqui, como pirilampos para uma misteriosa luz.
Convidas-me deixar cair em mim esta frase do Papa Francisco: “Relativamente à proposta moral da catequese, que convida a crescer na fidelidade ao estilo de vida do Evangelho, é oportuno indicar sempre o bem desejável, a proposta de vida, de maturidade, de realização, de fecundidade, sob cuja luz se pode entender a nossa denúncia dos males que a podem obscurecer. Mais do que como peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se comprazem em detetar qualquer perigo ou desvio, é bom que nos possam ver como mensageiros alegres de propostas altas, guardiões do bem e da beleza que resplandecem numa vida fiel ao Evangelho.” (EVANGELII GAUDIUM, 168)
Chamas-me à fidelidade que cativa, à alegria, à esperança viva, a amar como Tu e a tudo tornar sagrado – a tornar-me oblação de amor em união conTigo.
E diz o pastorzinho: Ai, malfadado
É quem do meu amor buscou a ausência
E quem não quer gozar minha presença,
Por seu amor meu peito magoado!
Ouço a voz da Tua Mãe que se junta ao Teu clamor: “– Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?” (Memórias da Irmã Lúcia, pp 173 – 174). Maria deseja acabar com a Tua dor, acabando com as dores de tantas almas a sufocar na superfície por não se deixarem afogar no Teu Amor.
Maria, Mãezinha! Caminha comigo para que o meu caminho se torne menos árduo e árido.
Volto o meu rosto outra vez para o Teu Filho. No Abismo Nosso em que me encontro, com a Tua Luz, Maria, as luzes néon começa a formar um céu de estrelas filhas Tuas e fazes-me escutar mais uma frase do Papa Francisco: “Falar com o coração implica mantê-lo não só ardente, mas também iluminado pela integridade da Revelação e pelo caminho que essa Palavra percorreu no coração da Igreja e do nosso povo fiel ao longo da sua história. A identidade cristã, que é aquele abraço baptismal que o Pai nos deu em pequeninos, faz-nos anelar, como filhos pródigos – e prediletos em Maria –, pelo outro abraço, o do Pai misericordioso que nos espera na glória. Fazer com que o nosso povo se sinta, de certo modo, no meio destes dois abraços é a tarefa difícil, mas bela, de quem prega o Evangelho.” (EVANGELII GAUDIUM, 144)
Maria, como o Papa Francisco Te percebeu crucial: “Há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam de maltratar os outros para se sentir importantes. Fixando-A, descobrimos que aquela que louvava a Deus porque «derrubou os poderosos de seus tronos» e «aos ricos despediu de mãos vazias» (Lc 1, 52.53) é mesma que assegura o aconchego dum lar à nossa busca de justiça.” ( EVANGELII GAUDIUM, 288)
E, no fim de grande tempo, ele há trepado
Uma árvore: abriu os braços belos
E morto lá ficou, suspenso deles,
Seu peito por amor tão magoado!
(São João da Cruz, Poesias, IV)
Jesus, e no Nosso Abismo cheio da Tua Luz, abres os Teus braços enquanto me olhas com ternura e solicitude. Num movimento que o Espírito me impulsiona, os meus braços unem-se aos Teus. Já não consigo distinguir os meus e os Teus e percebo que flui em mim o Teu Sangue que me cura e purifica de toda a superficialidade, de tudo o que é fácil, de tudo o que é centrado em mim. Já não me é possível olvidar-me de Ti e o Teu peito ferido é porta de entrada que, para mim, tornas sentido único. Já não há retrocesso, já não faz sentido viver no lodo do desamor e junto a minha voz aos pastorinhos:
“– Sim, queremos!
– Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.
Foi ao pronunciar estas últimas palavras (a graça de Deus, etc.) que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos. Então por um impulso íntimo também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente:
– Ó Santíssima Trindade, eu vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento.”
(Memórias da Irmã Lúcia, pp. 173 – 174)
Sabendo a minha fraqueza, percebendo o quanto é fácil cair, deixo-me cair e mergulhar no Oceano do Espírito, onde os meus sentidos se abrem para uma noite toda entregue à Tua Luz. Fortaleço-me com as palavras do Papa Francisco: “Para manter vivo o ardor missionário, é necessária uma decidida confiança no Espírito Santo, porque Ele «vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8, 26). Mas esta confiança generosa tem de ser alimentada e, para isso, precisamos de O invocar constantemente. Ele pode curar-nos de tudo o que nos faz esmorecer no compromisso missionário. É verdade que esta confiança no invisível pode causar-nos alguma vertigem: é como mergulhar num mar onde não sabemos o que vamos encontrar. Eu mesmo o experimentei tantas vezes. Mas não há maior liberdade do que a de se deixar conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo e permitindo que Ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde Ele quiser. O Espírito Santo bem sabe o que faz falta em cada época e em cada momento. A isto chama-se ser misteriosamente fecundos!” (EVANGELII GAUDIUM, 280)
Quando me olvido de Ti, meu Pastorzinho, Tu crias pontes e caminhos, atalhos, autoestradas e archotes, melodias e ternuras até que o meu olhar, o meu coração, a minha alma, se voltem novamente para Ti!
Meu Pastorzinho, Graças!!!