«Mesmo se tu Lhe causares sofrimento, lembra-te que um abismo clama por outro abismo, e que o abismo da tua miséria, Guidinha, atrai o abismo da Sua Misericórdia (…).» (Santa Isabel da Trindade, Carta 298)
Neste dia tão especial, minha santa Madre Teresa, quero agradecer-te pela tua presença na minha vida, na vida da Família Carmelita, na vida da Igreja e de toda a Terra!
Intercede por nós, para que façamos caminho de santidade, guiados pelo Espírito e por Maria, na companhia dos irmãos e irmãs (ainda entre nós, neste plano que conhecemos, e os que já se encontram no Seio da Trindade Santíssima).
Há já alguns largos anos, quando um dia abri as Obras Completas de Santa Teresa de Jesus, comecei a ler o Livro da Vida. Santa Teresa falava comigo, mas eu não entendia… pior, quando me deparei com afirmações em que se considerava miserável e pecadora, interroguei-me como seria possível que uma santa tão grande se considerasse miserável?
“Mas vejo depois tais as minhas obras, que não sei que intenção tinha, a não ser para que mais se veja quem Vós sois, Esposo meu, e quem eu sou. Pois é verdade muitas vezes temperar-se-me o pesar das minhas grandes culpas com o contento que me dá o compreender-se a multidão das Vossas misericórdias. Em quem, Senhor, podem elas assim resplandecer como em mim, que tanto obscureci, com minhas más obras, as grandes mercês que me começastes a fazer? Ai de mim, Criador meu, que, se quero dar desculpas, nenhuma tenho, nem tem ninguém a culpa senão eu! Porque se eu Vos pagara algo do amor que me começastes a mostrar, não o pudera eu empregar em ninguém senão em Vós e com isto se remediava tudo. Pois não o mereci, nem tive tanta ventura, valha-me agora, Senhor, a Vossa misericórdia.” (Livro da Vida 4, 3)
Fechei o livro.
Só depois de um tempo, graças a Deus não muito, e depois de me terem aconselhado começar por outro livro de Santa Teresa, abri novamente as Obras Completas ao acaso (ou antes, ao sabor do Espírito) e deparei-me com as Poesias e aí sim, aconteceu uma sintonia imediata! Pensei e senti: “Ok, Teresa, agora sim, já te consigo compreender. Falamos a mesma linguagem.” Houve ali uma reconciliação imediata e não pensei muito mais sobre o nosso primeiro encontro.
Com Santa Teresa a dar-se-me a conhecer devagarinho e a apresentar-me gradualmente a São João da Cruz, Santa Teresinha, Santa Isabel da Trindade e por aí fora, foi surgindo novamente esta consciência da miséria própria em todos eles. Ao mesmo tempo via em cada um deles a alegria, o louvor pelas graças e maravilhas recebidas de Deus. Fui lendo pequenos “Magnificats”. Estava mais do que na altura de começar a escutar com mais profundidade os santos. Percebi que não havia aqui baixas autoestimas, falsas humildades, antes pelo contrário, um grande autoconhecimento, gratidão, alegria e um novo conceito de humildade que fui descobrindo: andar na verdade, reconhecer em si e no outro o bem e a beleza, dons de Deus, e o que necessita de ser melhorado.
Conforme me vou descobrindo, mais consigo aprofundar esta consciência da miséria própria, mais consigo perceber este abismo de miséria que sou e mais consigo perceber, mesmo sem entender a dimensão, o abismo infinito da Misericórdia de Deus para comigo. Poderia pensar em esconder-me com vergonha, pois sabia-me indigna do Seu Amor. Tentação disso houve, devido à minha grande ignorância do Amor de Deus! No entanto, de vez em quando, Ele foi-me presenteando com frases como esta:
“Mesmo se tu Lhe causares sofrimento, lembra-te que um abismo clama por outro abismo, e que o abismo da tua miséria, Guidinha, atrai o abismo da Sua Misericórdia (…).” (Santa Isabel da Trindade, Carta 298)
Vou aprendendo esta Misericórdia de Deus em mim e no meu próximo e vou aprendendo a deixar que Ele me trabalhe nesta Misericórdia. Como fazer este caminho de autoconhecimento? Como deixar que a Sua Misericórdia trabalhe em mim? Dificilmente encontro mapas ou sequer estradas… encontro indicações. A primeira que encontro é a oração – este estar na presença de Jesus muitas vezes e de forma gratuita, com tempo, depois de suplicar que o Espírito me ilumine e abra à Palavra. Manter sempre presente que, perante Jesus, nada posso esconder, nem preciso de o fazer. Posso mostrar-Lhe tudo, falar-Lhe de tudo, questionar tudo e, principalmente, escutar o que me vai dizendo. Escutar na Palavra, nos acontecimentos, através do meu próximo. A segunda indicação vem de Jesus quando me convida a estar em permanente vigilância: vigiar o que penso, o que sinto, o que faço e com que intenção… confrontar com a Palavra e com o Outro/outro e deixar-me questionar, deixar-me pôr-me em causa: que procuro?
Procuro a glória de Deus ou a minha?
Responsabilizo-me por quem sou e o que faço ou culpo fatores externos, colocando-me mais numa postura de vítima?
Foco-me mais nos problemas ou procuro caminhar em esperança e em escutar e encontrar novos caminhos, com aceitação, mansidão e confiança, pegando na minha cruz?
Perco-me no passado ou recordo com gratidão?
Fecho os olhos ao presente ou olho com solicitude e vigilância?
Desacredito no futuro ou deixo crescer a minha fé e a minha esperança?
Prefiro reagir no momento sem planificar o que faço ou ajo na presença de Jesus, com a Sua Misericórdia?
Escuto Jesus quando me diz, como um dia à mulher adúltera: “Vai e não tornes a pecar”, deixando-me levantar continuar caminho com confiança?
Conhecer-me! Que aventura e viagem fascinantes! A bagagem que me é proposta é esta humildade de que Teresa fala, este estar sempre, num “orai sem cessar” perante Jesus. A bagagem é esta união com os santos, os que já não estão fisicamente connosco e os santos da minha comunidade. Conhecer-me é deixar que a santidade de Deus se manifeste em mim, num movimento de despojamento do homem velho, recebendo de Jesus as vestes novas. Conhecer-me é conhecer cada vez mais o objeto do meu amor: A Trindade Santíssima.