O Governo Geral da nossa Ordem pediu a toda a Ordem – Irmãs, Frades e Seculares – que todos contribuíssemos para o esforço comum de reacendermos o marianismo que deve impregnar aqueles a quem o Senhor chamou para serem irmãos e irmãs descalços da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo. Fica aqui um pequeno contributo.
Quando me sentei para preparar este texto, deparei-me com uma pergunta: qual é a importância da Virgem Maria na vida cristã? Para que serve Maria, qual a sua função? Ou será que os nossos irmãos protestantes têm razão e Maria deve ser desconsiderada?
Bem, não me chamaria Frei André de Santa Maria se achasse que Nossa Senhora devesse ser desconsiderada. Parece-me que tal posição não se coaduna com o Evangelho, já para não falar com toda a Tradição da Igreja e de tantos e tantos santos que nos apontam para a Mãe de Deus e fazem-no, não como uma oposição a Cristo mas, precisamente, como um modo eficaz, seguro e rápido de chegar até Ele.
Dito isto, qual o papel de Maria na vida do cristão?
Para tentarmos responder a esta pergunta temos de partir da Sagrada Escritura. Não é este o momento nem o lugar para fazer uma análise exaustiva às passagens da Escritura que falam de Nossa Senhora. É-nos suficiente saber que a Sagrada Escritura não fala abundantemente de Maria. Apenas 152 versículos falam – direta ou indiretamente – sobre a Mãe do Senhor. No entanto, e se seguirmos a cronologia da redação do texto sagrado, verificamos que há um aprofundamento da compreensão e missão de Maria ao longo do tempo.
Paulo, o primeiro autor sagrado a escrever, é quase indiferente a Nossa Senhora. O motivo é claro: num tempo de grandíssima expectativa messiânica, Paulo queria anunciar a Cristo, porque o mundo iria acabar amanhã e era necessário anunciar o Salvador, o homem Jesus Cristo, filho de Deus, que tinha por nós morrido e ressuscitado para a todos salvar e que viria sem demora, oferecendo a salvação àqueles que n’Ele acreditassem. Mas à medida que a expectativa da iminente vinda do Senhor se foi dilatando no tempo, e à medida que as testemunhas oculares da vida do Senhor foram morrendo, as comunidades começaram a escrever o testemunho de Jesus para que outros, depois deles, pudessem também acreditar. E é neste processo, que aparece a figura de Maria.
Na Sagrada Escritura, Maria aparece sempre em íntima relação com Jesus. Diz-se d’Ela que é Mãe de Jesus, para manifestar que o Salvador é verdadeiramente Homem. Mas nota-se uma clara evolução na compreensão da Sua figura e da Sua importância na História da Salvação. Dito de outra forma, a história de redação da Sagrada Escritura mostra que os cristãos compreendem o papel de Maria em crescendo: Paulo quase não fala, Marcos já diz alguma coisa, Mateus mais, Lucas muito mais e João mais ainda. Agora, que papel é esse?
Aqui está o cerne da nossa relação com Maria. Nossa Senhora é importante porquê? Então o ser cristão não diz respeito única e exclusivamente a seguir a Cristo? Sim, é verdade. Mas ser cristão significa ser filho de Deus. No entanto, Deus só tem um Filho, o Filho Eterno. Apenas podemos ser filhos de Deus se participarmos do único Filho de Deus, se Cristo se formar em nós; dito de uma forma mais bonita: só seremos filhos de Deus na medida em que o Pai, do alto do Céu, olhar para nós e nos vir conformados, com a mesma forma, nos vir parecidos com Cristo. Seremos filhos se for Cristo a viver em nós, isto é, se este barro que somos transparecer a imagem de Cristo.
Ora, qual foi o papel de Maria na história da Salvação? O papel de Nossa Senhora não foi outro que não o de gerar a Cristo. Mas o seu papel não foi apenas gerar nas Sua entranhas o Filho do Eterno Pai e de o de O dar à luz. Nosso Senhor, quando nasceu, continuou a necessitar de Sua Mãe. Maria foi mãe de Jesus, com tudo o que implica ser mãe, porque o Menino teve de crescer, nasceram-lhe os dentes, chorou, riu, aprendeu a andar, aprendeu a falar, aprendeu a rezar… E para tudo isso necessitou de Sua Mãe.
O grande papel de Maria foi o de ser Mãe de Jesus. Foi o de ajudar o Salvador a crescer, a desenvolver-se, enchendo-O com o Seu amor materno que fez com que Jesus se tornasse Aquele homem a quem ninguém era indiferente e a quem todos quantos não tinham esperança, todos quantos andavam cansados, todos quantos buscavam um sentido acorriam. Ora, se o papel de Maria foi este, será que esse papel já terminou? Será que Jesus já está perfeitamente formado, sem necessidade de uma Mãe?
A resposta mais imediata seria que sim. Sim, o Senhor cresceu; aliás, Maria tornou-se discípula do Seu Filho, pelo qual o papel de Maria está concluído. Se pensarmos assim, é verdade, a missão de Maria terminou. Mas então, como perceber o facto de Jesus no alto da Cruz apontar para Sua Mãe (Jo 19,25-27)?
A resposta, creio, prende-se com o facto de sermos Igreja. Somos filhos no Filho, somos membros do Corpo Místico de Cristo, a Igreja. E como cabeça da Igreja temos Jesus Cristo, nosso Senhor, Homem e Deus verdadeiro, plenamente formado. Mas também nós somos Corpo de Cristo. E quem tem a veleidade de achar que Cristo já está plenamente formado em si? Como não posso falar por todos, falo por mim: infelizmente, em mim, ainda há muito trabalho a fazer para me conformar com o Senhor. E por isso, preciso de quem, como S. Paulo, diga: «Ó meus filhos, por quem sofro de novo as dores de parto, até que Cristo esteja formado em vós!…» (Gal 4,19). Mas pela misericórdia do Senhor, tenho uma Mãe que me foi dada do alto da Cruz pelo meu Redentor e Salvador. Tenho uma Mãe que se preocupa comigo e se preocupa comigo plenamente. Tenho uma Mãe que do alto do Céu vela sobre mim, que me chama com amor materno, que me segura para que não caia, que me traz ao colo quando estou cansado, que me abraça sempre que preciso… Tenho uma Mãe que me trata, que cuida de mim tal como outrora cuidou de Jesus. E não sou simplesmente eu que tenho uma Mãe. Somos nós! Somos nós quem temos uma Mãe, e uma Mãe que nos reconhece como o Filho que trouxe nas Suas entranhas. Porque não somos como o filho que Ela trouxe no Seu ventre; pelo batismo fazemos parte, somos parte do Filho que Ela trouxe no Seu seio.
Um dos dons mais sublimes que o Senhor nos concedeu foi Aquela que escolheu para Mãe do Seu Filho. Maria, na nossa vida tem a missão de fazer aquilo que fez com Jesus: ajudar-nos a crescer até que Cristo se forme em nós. Esse é o papel de Nossa Senhora na vida de qualquer cristão: formar outro Cristo. Por isso não há que temer a presença de Maria, não há que temer amá-la demais. Como nos recorda Teresinha, nunca A amaremos tanto como Jesus A ama.
Maria é Mãe, é nossa Mãe, e como as nossas mães só quer o melhor para nós. Por isso, toda a Sua ação materna em nós não tem outro propósito que não seja levar-nos a Jesus, melhor, que não seja ajudar-nos a sermos “transformados” em Jesus. Deixemos que Ela faça crescer o Senhor em nós, que não sejamos nós já a viver mas só Ele a viver em nós (cf. Gal 2,20). Se o fizermos, sermos verdadeiros cristãos, e Maria terá cumprido a missão que Jesus lhe deu a nosso respeito.