Fev 4, 2025 | Perspetivas

Carmelita Descalço

A esperança de Nossa Senhora

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Num momento em que a Igreja, na pessoa do Santo Padre, nos pede que nos façamos peregrinos de Esperança, e num momento em que o nosso governo Geral nos solicita uma renovação do marianismo da nossa Ordem, este texto, que nasceu de uma meditação de um retiro às Irmãs Carmelitas Descalças de Faro, pretende ser um singelo contributo que, em algo, possa ajudar a vivermos mais estes desafios.

Ao preparar esta singela reflexão, dei-me conta de que a esperança é, muito provavelmente, a virtude da Virgem que os nossos santos menos admiram. E, dado o contexto atual, fiquei a matutar sobre isso. Todos os nossos santos doutores falam da fé de Nossa Senhora, e como Maria é um verdadeiro modelo de fé para todo o cristão. Todos eles nos levam a admirar a Sua caridade – que Teresinha qualifica de ardente. Mesmo para as várias virtudes morais e cardeais – quer as que conhecemos quer as que imaginamos – Nossa Senhora é apresentada como modelo. Mas relativamente à virtude teologal da esperança, os nossos santos não apresentam a Mãe do Senhor como um modelo para nós que, como estamos do lado de cá, ainda não vemos as realidades em que acreditamos, razão pela qual vivemos de esperança.

Por que motivo, então, não falam os nossos santos da esperança da Virgem? Não tenho a pretensão de apresentar uma resposta definitiva, mas parece-me que temos de nos adentrar sobre o que é isso da esperança para podermos responder a esta pergunta.

Gosto de pensar na esperança como a virtude que nos faz caminhar. Seguindo a doutrina de São João da Cruz, creio que podemos dizer que a esperança vai atuar na nossa memória, vai levar-nos a ter saudades do Céu, impelindo-nos a caminhar para lá. Efetivamente, uma pessoa sem esperança não caminha, uma pessoa sem esperança não vê um amanhã, não antevê um futuro… Caminhamos, fazemos, estamos, porque queremos chegar a tal sítio, porque temos esperança de atingir tal fim, esforçando-nos por orientarmos a nossa vida para esse amanhã pelo qual esperamos. Quando não há esperança, então ficamos estacados. Quando não há esperança, não há caminho, não há direção a tomar… Todo o caminho é bom para quem não tem rumo, diz o nosso povo. A virtude da esperança é o que nos permite definir o rumo, porque nos permite um objetivo: esperamos o que não temos, esperamos a Deus porque O não possuímos plenamente nesta vida.

Dito isto, creio que não é difícil reconhecer que viemos num mundo imediato. Há uns anos atrás, tínhamos de dedicar muito tempo e muito esforço para descobrir ou descortinar o que quer que fosse. Agora basta digitarmos uma pergunta que o Dr. Google imediatamente nos apresenta resposta. Pior, há uns anos atrás, perdíamos tempo a ler notícias e livros. Agora, lemos duas frases a negrito e achamo-nos detentores de toda a verdade. Estes exemplos servem apenas para ilustrar o seguinte: vivemos num mundo que não sabe (nem quer) esperar. Num mundo que perdeu a paciência; que quer tudo para agora, para este segundo, porque no segundo seguinte já vai querer outra coisa.

Tudo isto, creio, deve-se ao progresso – que é bom –, ao enorme progresso de que padecemos nos últimos 50 anos. Basta falar com quem acumulou mais primaveras para perceber que no tempo em que nasceram não havia água canalizada, não havia eletricidade, não havia aquecimento central, não havia automóveis, etc. Hoje, por causa daquele aparelhito maravilhoso com o qual parece já não sabermos viver – chamado telemóvel –, temos o mundo no bolso! Se fossemos a fazer contas, seria provável que concluíssemos que evoluímos mais em cinquenta anos que em quinhentos! Tal originou em nós uma mudança singular: acostumámo-nos ao progresso.

A verdade é que esta mudança de paradigma afetou a nossa esperança. Antigamente, para os nossos avós, a esperança era uma realidade comum e, quiçá, inevitável. Não havendo perspetiva de qualquer solução do problema x ou y tendo por base nas nossas forças, então não havia outra solução que não fosse esperar que a solução viesse doutro lado (e tão frequentemente, do alto). Esta pode ser uma justificação para o facto dos nossos santos não olharem para Maria na hora de esperar: é que a esperança era uma virtude efetiva e realmente desenvolvida no seu tempo. Por isso, não ser necessário elevar os olhos para Ela.

Hoje, contudo, estamos numa situação diferente. Num mundo como o nosso, que crê que tudo consegue pela sua força, que é capaz de tudo e não precisa nem de Deus nem de ninguém, então sim, é necessário erguermos os olhos ao alto, e olhar para Nossa Senhora, e ver como Maria nos ensina a viver a virtude da esperança e a colocá-la onde ela deve estar: em Deus e não na técnica (que é boa e traz muitos benefícios, que fique claro). Porque quando a realidade se impõe, quando somos confrontados com a nossa limitação – e seremos, invariavelmente –, com a nossa pequenez, das duas uma: ou a esperança nos purifica e nos faz almejar o Céu, ou vamos caindo na tentação do inimigo, no pai da mentira e da divisão, que nos diz que nada tem valor, nada presta, que o amanhã ainda será pior que o hoje. Se o escutarmos, seremos, inadvertidamente, conduzidos a um poço sem fundo, a um túnel onde não raia qualquer facho de luz, a uma realidade sem esperança nem perspetiva de futuro.

Resta saber se podemos recorrer a Nossa Senhora para vivermos esta virtude teologal. Não surpreendo ninguém ao afirmar que sim. O nosso Santo Padre João da Cruz, quando fala de Maria, afirma que a Mãe de Deus tinha as propriedades da alma divinizadas. Se assim o é, sendo consequentes com a sua doutrina, podemos afirmar que a Mãe do Senhor terá vivido e padecido esta virtude. Mas como?

Maria viveu a esperança quer de um modo coletivo quer de um modo individual. Viveu a esperança de um modo coletivo porque Maria está inserida num povo que espera, que tem esperança nas promessas do Senhor. É bom tomarmos consciência que Maria viveu no meio de um povo que estava dominado politicamente, que havia perdido a sua independência e autonomia, um povo que se via como que escravizado por outro, escarnecido nas suas tradições e cultura. Mas este povo era caracterizado por uma certeza inabalável, por uma realidade que nada nem ninguém poderiam beliscar: a certeza de que o Senhor, o mesmo Senhor que havia salvo os seus antepassados do Egipto, os havia escolhido e feito aliança com Ele; o mesmo Senhor que havia feito regressar os exilados à sua pátria, haveria de vir em seu socorro, haveria de os visitar e mudar a sua situação. Era um povo de uma fé inquebrantável, e por isso, era um povo que sabia que valia a pena ter esperança no Senhor, porque só d’Ele poderia vir a salvação (cf. Salmo 120 (121)).

A grande esperança daquele povo era, porém, a esperança messiânica. A de que Deus haveria de suscitar um grande profeta, de que Deus haveria de visitar o Seu povo, como são prova os velhos Simeão e Ana, de que nos fala São Lucas aquando da apresentação do Senhor no Templo (cf. Lucas 2,21-40). É um povo que confiava e porque confiava esperava, esperava que o Senhor cumprisse tudo quanto lhes havia dito. Quando? Não sabiam, mas esperavam esse dia, tinham esperança de que esse dia chegaria.

Maria, porém, não viveu apenas a virtude da esperança dentro de um ambiente ou numa dimensão coletiva. Viveu-a também de forma individual, pessoal. Desde a anunciação do Anjo, ela sabe que o Seu Filho era diferente; que Ele era o cumprimento das promessas que Deus havia feito ao Seu povo (cf. Lucas 1,26-38). Mas a verdade, é que Maria viu o Seu Filho desenvolver-se e comportar-se como uma qualquer criança. O facto de Maria guardar tudo no coração (cf. Lucas 2,19), meditando cada palavra e ação de Jesus, mostra que para Maria, o mistério do Filho não era claro. Se Maria necessitava guardar tudo; se necessitava de meditar tudo no coração é porque o mistério se fora desenrolando, desvelando pouco a pouco. Tal apresenta-se ainda mais claro a partir da vida pública de Jesus. Depois de Jesus iniciar a Sua pregação, Maria teve de abrir-se à esperança, porque aquilo que via e ouvia do Seu Filho não era, exatamente, o que havia aprendido a esperar: efetivamente, Jesus não cumpre as esperanças messiânicas do Seu povo porque o povo de Israel não esperava aquele messias.

Nas bodas de Caná (cf. João 2,1-11) Jesus dá início à Sua vida pública. E fá-lo porque Maria intercede pelos esposos. Creio ser interessante notarmos que apesar de, aparentemente, Jesus ter respondido de uma forma pouco recetiva ao pedido de Sua Mãe, Maria tem esperança de que Ele atuará. Daí a recomendação aos trabalhadores: «O que Ele vos disser, fazei-o» (João 2,5); que também poderia ser traduzido como: «se Ele vos disser alguma coisa, fazei-o». É a esperança de Maria de que o Filho não deixará de a atender, de escutar a Sua prece. Ela, porém, não ensina Deus a ser Deus; não diz ao Filho o que fazer, nem como, nem quando. Espera, e espera porque tem esperança de que Ele pode e de que vai agir.

Outro elemento fundamental da vivência da virtude da esperança da Virgem é o Calvário. Creio não exagerar se afirmar que a experiência que Nossa Senhora teve da morte de Seu Filho foi de uma dureza extrema. Ao ver o Seu único Filho morrer daquela forma tão vil, por certo ter-lhe-ão ressoado no coração aquelas palavras do Anjo Gabriel, que então por certo foram de uma amargura sem fim: «Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de David, seu pai; reinará para sempre sobre a casa de Jacob e o seu reino não terá fim» (Lucas 1,32-33). Maria sofreu, como qualquer mãe sofreria ao ver padecer o fruto das suas entranhas. Mas dizer que Maria padeceu não é o mesmo que dizer que desesperou. Não; a grandeza de Maria, o seu estar de pé junto à Cruz (cf. João 19,25) é precisamente sinal desta esperança em Deus, nas Suas promessas, de que mesmo quando tudo aparentemente cai, se esvanece, Ele lá está, Ele não nos falta e dará aqueles que forem fiéis o que de antemão lhes prometera.

Maria surge, assim, como uma estrela de esperança, como um modelo que nos anima e nos diz: “meus filhos, tende esperança, esperai no Senhor, confiai n’Ele”. Porque todos nós somos provados na esperança. Todos temos sonhos, todos temos desejos, poderíamos dizer, todos temos esperanças. Mas não são de coisas pequenas que falamos. Todos temos a esperança do Céu, todos temos a esperança da bem-aventurança eterna. Todos temos a esperança de que os desejos que Deus colocou no nosso coração se concretizem. E por vezes, aqueles projetos, aqueles sonhos que sabemos de Deus, de repente, caiem por terra, esfumam-se. De repente, levanta-se todo o inferno contra eles; de repente, morre aquilo que tínhamos por certo ser vontade de Deus que se realizasse… E que fazer nesses momentos? Desesperar? Ou dizer: “Já não vale a pena, deixa para lá…”? Não! Nesses momentos, de olhos para o alto busquemos Nossa Senhora. Compreendamos como Ela se manteve de pé, como esperou contra toda a esperança e como a sua esperança foi recompensada, porque Deus nunca falta aos que n’Ele confiam (cf. Salmo 33 (34)).

André Morais

Carmelita Descalço

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