O Direito e a Religião podem ser apresentados como lugares onde o ser humano se encontra e se relaciona num determinado contexto e segundo uma certa finalidade. O Direito seria o lugar onde se ergue um sistema de normas necessárias à convivência social, baseado num núcleo essencial de princípios gerais e universais que visa a realização da justiça. A Religião seria o lugar onde se desenvolve um conjunto de práticas de convivência social e espiritual, assente num determinado credo que aponta para a realização plena do ser humano. O Direito apontaria, idealmente, para um lugar exterior e manifestar-se-ia sob a forma de lei, ordenada segundo uma vontade coletiva e democrática, e controlada por uma entidade imparcial e independente. A Religião apontaria para um lugar interior, a partir do qual o ser humano se ordenaria e se relacionaria nos planos espiritual e humano.
Para alguns, esses lugares, onde o Direito e a Religião se manifestam, são distintos e longínquos. Para outros, são tão somente lugares distintos, mas não longínquos. Haverá ainda quem os considere como diferentes retratos do mesmo lugar. Qualquer que seja o campo de observação, fica claro que ambos são lugares palmilhados pelo ser humano num determinado contexto e segundo uma certa finalidade. Enquanto alguns veem as diferenças como aspetos inconciliáveis ou opostos, outros há que realçam a sua identidade própria e a sua complementaridade. Absolutizar uma só perspetiva como forma de aniquilar qualquer outra, ou rebaixar qualquer uma delas como meio de as menosprezar, é tão perigoso como as misturar e definir como sendo uma e a mesma coisa.
Podemos dizer que o Direito e a Religião são hodiernamente vistos como fenômenos sociopolíticos que têm em comum vários elementos. Ambos aspiram constituir, ou pelo menos enquadrar, a consciência e o comportamento humanos em todas as esferas da vida privada e pública. Ambos incorporam a obediência a uma determinada ordem, corporizada em instituições e preceitos, escritos e não escritos, que fundamentam o respeito por determinados direitos e deveres. O desrespeito por essa ordem implicará determinados efeitos. Da antiguidade aos tempos atuais, e não obstante algumas manifestações pretensamente radicais ou revolucionárias, o Direito e a Religião nunca estiveram completamente separados a ponto de alcançarem total autonomia. A Religião esteve na base dos sistemas jurídicos modernos, e continua a estar presente sobretudo nas leis fundamentais, mesmo daqueles que aspiraram a um laicismo obsessivo. Com efeito, as religiões estão inseridas em práticas diárias de comunidades de todo o mundo, tanto em regimes de índole democrática, como em regimes de natureza comunista e teocrática. Pelo que não é possível conceber uma ordem jurídica totalmente alheia ou imune à ordem religiosa. O Direito também tem contribuído para uma afirmação saudável da Religião, acolhendo a diversidade de confissões religiosas, salvaguardando a liberdade religiosa, e reconhecendo determinados direitos, liberdades e garantias aos crentes e às instituições religiosas. Naturalmente que as interações entre o Direito e a Religião são dinâmicas e variáveis em cada um desses regimes e nos mais diversos territórios.
Perante aquela indissociabilidade e comunicabilidade, é premente resgatar o Direito e a Religião de uma qualquer conceção ou visão que oculte a sua verdadeira identidade e aprisione a sua complementaridade. Esse resgate é, por vezes, travado por aqueles que, sob o disfarce da tolerância e da liberdade, pretendem impor um pensamento único, invadindo os espaços de forma inapropriada. Quando se fazem perguntas sobre a origem e o fim da vida humana, sobre a dignidade da pessoa humana, sobre a autodeterminação dos povos, sobre a liberdade de expressão, sobre o funcionamento das instituições públicas e privadas, ou sobre o respeito pela vida animal e pelo meio ambiente, o debate torna-se acalorado, em grande medida porque se toca em questões centrais sobre quem somos como pessoas e como comunidade, e quais são as nossas visões sobre o que o Direito diz ou deve dizer, ou sobre o que a Religião proclama ou deve proclamar. Para alguns, talvez o Direito se deva esforçar para impor um espaço secular, vazio de formas e convicções religiosas. Para outros, o Direito deve procurar ser uma personificação da vontade divina. Não será fácil encontrar o equilíbrio. Porém, a vocação do Direito não é eliminar a Religião, nem esta tem por objeto definir e sancionar o incumprimento de princípios e regras de pura convivência humana e de cuidado para com os animais e a natureza. Cabe ao Direito definir, respeitar e fazer respeitar o seu espaço próprio, e reconhecer que a Religião também tem o seu espaço. De modo semelhante, a Religião deve ocupar o espaço que lhe está reservado, despida de qualquer complexo de inferioridade ou de superioridade relativamente a outros espaços, e sem qualquer ímpeto expansionista. Não havendo barreiras entre espaços, a interceção entre ambos acontecerá de forma natural. Sem ofuscar a sua identidade e a essência próprias, a luz não será exclusiva de nenhum deles, mas iluminará o que em cada um existe de mais belo e autêntico. Graças a essa luz, o Direito e a Religião podem ocupar o seu espaço e coabitar num lugar-comum onde o ser humano se encontra e se relaciona. Assim, seria inapropriado que o Direito exigisse a um qualquer ser humano, qualquer que fosse a sua profissão ou a confissão religiosa, que abdicasse do seu espaço interior, a partir do qual se constrói e desenvolve a sua identidade. Se tal acontecesse, haveria o risco de, em reação, se desenvolver uma luta pela apropriação do espaço próprio do Direito. O inverso também poderia ocorrer caso a Religião quisesse ocupar de forma exclusiva o lugar-comum. O Direito e a Religião devem respeito mútuo pois só assim são o que devem ser e só assim se podem complementar.