A nossa vida organiza-se por objetivos, planificações, avaliações, ou seja, por itinerários. A vida escolar, académica, a aprendizagem de uma profissão, a preparação para uma opção vocacional como o matrimónio, sacerdócio ou vida consagrada, obedecem a itinerários mais ou menos elaborados. No domínio das opções fundamentais da vida, nas quais se joga a assertividade e felicidade de uma existência, estes itinerários impõem-se com maior evidência. Assim, acontece, por exemplo, com a vocação ao sacerdócio e à vida consagrada; ambos apresentam itinerários bem elaborados e estendidos no tempo. Por exemplo, o itinerário da vida consagrada contempla as etapas do aspirantado, postulantado, primeiro noviciado e estudantado ou juniorado, segundo noviciado… até ao compromisso definitivo, sem descuidar um acompanhamento particular nos primeiros anos de missão e inserção na vida das comunidades. Em termos de duração, a vida religiosa contemplativa, por exemplo, pressupõe no mínimo 10 anos de formação; a vida religiosa ativa, 7 a 8 anos; o sacerdócio uma duração semelhante, com o curso teológico pelo meio. No entanto, estes itinerários estruturados e suportados por documentos e estudos, com linhas orientadores bem definidas e adaptados a cada região e carisma, contrastam com a precaridade do itinerário de preparação para o sacramento do matrimónio.
As etapas do namoro, noivado e casamento, propriamente dito, foram-se diluindo nos últimos anos, mercê das mais variadas circunstâncias e mudanças sociais que afetaram o padrão dominante da vida em casal e em família. Os jovens que sentem o chamamento ao casamento sacramental e a constituir uma família inspirada nos valores cristãos, têm, apenas nalgumas comunidades cristãs, a possibilidade de frequentarem meia dúzia de encontros e respetivos temas sobre os fundamentos teológicos, antropológicos e espirituais do matrimónio. Os que têm acesso a estas brevíssimas e limitadas formações só o fazem quando já têm data, local, restaurante ou quinta agendados e, no encontro com o pároco, ele lhes fala da importância, necessidade ou mesmo obrigação de frequentarem esses encontros, no meio do estresse e azáfama dos preparativos que envolvem a instalada «indústria dos casamentos». Se a felicidade do novo casal depender da qualidade do itinerário oferecido pela Igreja está tudo preparado para não resultar. Claro que no meio deste panorama, há exceções felizes e bem conseguidas.
Já há muito tempo que os agentes de pastoral familiar: a família, os pastores, as comunidades e movimentos de pastoral familiar vinham a constatar a grande pobreza das propostas que a Igreja possui para ajudar os jovens a idealizar e estruturar um projeto de vida a dois com consistência, assente em bases sólidas e com maiores garantias de realizar os fins que lhe estão subjacentes, tão bem plasmados na Exortação Apostólica do Papa Francisco, A Alegria do Amor. Neste precioso e incontornável documento que deveria ser do conhecimento de todas as famílias cristãs, o Papa diz que é necessário anunciar o «evangelho da família», mas diz também que «a complexidade social e os desafios, que é chamada a enfrentar atualmente, exigem um empenhamento maior de toda a comunidade cristã na preparação dos noivos para o matrimónio» (206). Ao longo do documento aponta para a necessidade de se empreender um caminho, um autêntico itinerário que acompanhe os jovens, os namorados e noivos, sem deixar de continuar um processo de aprofundamento ao longo de toda a vida, particularmente nos primeiros anos de casados.
Dando sequência a esta preocupação do Papa, o Dicastério para os Leigos, Família e a Vida apresentou, a 15 de junho deste ano, com prefácio do Papa Francisco, um conjunto de orientações pastorais sobre «Itinerários Catecumenais para a Vida Matrimonial». A Igreja, a partir dos primeiros anos de existência, organizou e cultivou o catecumenado em ordem ao sacramento do batismo. Consiste num itinerário muito bem estruturado, vivencial e mistagógico, que vai inserindo gradualmente os candidatos ao batismo na vivência dos mistérios da fé. A generalização do batismo de crianças secundarizou este itinerário, mas nas comunidades cristãs bem organizadas ele foi substituído ou transferido para a catequese da infância e adolescência. Contudo, este caminho catecumenal continua a ser a proposta para o batismo de adultos, que culmina na celebração dos sacramentos da iniciação cristã na vigília pascal. Ora, o Papa Francisco e o Dicastério da Família querem transpor este itinerário para a celebração do sacramento do matrimónio, contemplando três fases, sendo a terceira distribuída por três etapas: primeiro, a fase pré-catecumenal, uma preparação remota que atenda a toda a pastoral da infância e da juventude; segundo, uma fase intermédia, de algumas semanas, que cuide o acolhimento dos candidatos ao casamento, a culminar com o Rito de entrada no catecumenado; terceiro, a fase catecumenal propriamente dita, com 3 etapas: uma primeira etapa de preparação próxima, com a duração aproximada de um ano; a culminar com o rito do compromisso; seguir-se-ia um breve retiro de entrada na preparação imediata; segunda etapa, de preparação imediata, com a duração de vários meses; terminando com um breve retiro de preparação para o casamento, nas semanas anteriores à celebração; por fim, a terceira etapa, com um programa estruturado para os primeiros anos de vida matrimonial, cerca de 2 a 3 anos.
Por aqui verificamos que estamos diante de uma visão completamente diferente, qualitativamente superior, em comparação com a atual práxis que está esgotada e, em geral, não leva a sério a preparação e vivência de um sacramento que pressupõe uma opção de vida e de fé na qual os jovens jogam a felicidade de uma vida. Voltaremos ao assunto porque o tema é de extrema importância e merece a devida atenção de todos os cristãos.