Férias… Há momentos do ano em que o tempo parece abrir-se como uma clareira no meio do bosque apressado da vida. As férias surgem assim – não como uma pausa em branco, mas como um intervalo fértil, onde o cansaço encontra acolhimento e a esperança reencontra espaço para brilhar.
O sociólogo Robert Stebbins (1992), convida a olhar para o tempo livre como mais do que mera distração ou descanso; apresenta-nos o lazer sério, aquela atividade que envolve dedicação, propósito, e leva a um crescimento pessoal. O tipo de atividade que permite cultivar talentos, desenvolver paixões e experimentar uma forma de realização que vai além da produtividade. Válido para qualquer idade. Todas as idades. É diferente do lazer casual (que como o próprio nome indica, é casual), porque exige envolvimento continuado e uma identidade construída em torno da prática – seja ela artística, voluntária, física ou intelectual.
Nesta linha de pensamento, Kelly, um teólogo (2022), aprofunda a reflexão a partir de uma perspetiva moral e espiritual. Onde o tempo livre não é simplesmente uma concessão, mas uma dimensão essencial para o cultivo da vida moral. É nele que se abre espaço para a contemplação, para a criatividade, para a relação consigo mesmo, com os outros e com Deus. O lazer, é assim um bem moral que nos convida à plenitude – não porque nos afaste das obrigações, mas porque nos reconcilia com aquilo que somos em profundidade, ao longo da idade.
Assim compreendidas, as férias são mais do que um intervalo: são um território sagrado onde podemos reaprender a escutar o silêncio, a redescobrir o gosto pelo que nos move, e a reencontrar o fio de sentido que, por vezes, se perde no emaranhado dos dias úteis. Ao dedicarmos tempo a formas sérias de lazer – ler aquele livro que alimenta, caminhar sem pressa, tocar um instrumento, escrever, rezar, servir, criar, contemplar, admirar – damos ao tempo uma densidade nova, mais humana e mais habitável.
Quem sabe, é este o segredo das férias bem vividas: não tanto o descanso pelo descanso, mas a possibilidade de nos recomeçarmos. No lazer sério, re-acreditamos. Voltarmos a acreditar que a vida tem um ritmo mais compassado, que o tempo é mais do que urgência, e que o sentido não se encontra apenas no fazer, mas muito mais no ser.
Por falar em férias, importa recordar que a paz não começa em tratados internacionais nem em grandes discursos – começa, sim, no modo como habitamos o nosso tempo e cuidamos da nossa própria vida. O lazer sério, quando cultivado com liberdade, sentido e continuidade, é um gesto discreto de reconciliação: connosco, com o tempo, com os outros e com o mundo.
Assim, cada um de nós pode ser semeador de paz ao escolher viver com mais profundidade o tempo livre, ao criar beleza, ao escutar com atenção, ao comprometer-se com o bem comum a partir dos seus talentos. Não se trata de um ideal inalcançável, mas de uma prática possível, silenciosa e transformadora. Contribuir para a paz, hoje, pode ser tão simples e tão radical como reaprender a viver com inteireza o tempo que nos é dado – e redescobrir nele um lugar de sentido, de pertença e de generosidade. Amor.
Daqui decorre o cartão de visita que nos distingue: o sorriso. Há sorrisos que não se forçam – simplesmente acontecem. Nascem quando o corpo descansa, quando a alma se reencontra, quando o tempo deixa de ser uma corrida e se torna um lugar habitável. São esses sorrisos, serenos e autênticos, que o lazer sério ajuda a fazer brotar. Não se trata de distracção momentânea, mas de um compromisso livre com aquilo que nos dá vida – e nos liga, em profundidade, aos outros e ao mundo.
Conor M. Kelly (2022), mostra como o tempo livre, vivido de forma ética e espiritual, pode ser um espaço de plenitude moral. Quando o lazer se torna sério – isto é, quando envolve entrega, identidade e sentido – transforma-se numa prática do bem. E dessa vivência comprometida com o que é mesmo bom e significativo, nascem frutos visíveis: entre eles, o sorriso genuíno.
Mais do que gestos, o sorriso é um sinal de reconciliação interior. São pequenas manifestações de bem-estar profundo, de gratidão silenciosa, de paz encontrada. E o mais belo é que são também contagiosos: onde há um sorriso verdadeiro, abre-se espaço para a escuta, para a relação, para a confiança. São sorrisos que criam laços. E esses laços, tecidos no quotidiano, são os fios invisíveis que sustentam a paz.
Num mundo tão carente de encontros autênticos, o lazer sério revela-se um acto de resistência e de esperança. Permite-nos recuperar o gosto de viver e partilhar essa alegria com os outros — não com estrondo, mas com verdade. E é nessa verdade, discreta, mas transformadora, que os sorrisos se tornam sementes de paz. Por fim, recordar que ir de férias pode ser ir já ali. Em verdade e com vontade de abraçar o desafio… mão na mão.
Mensagem para levar numa pequena mala:
Um sorriso verdadeiro, nascido de um tempo livre vivido com profundidade e entrega, pode ser o começo de algo maior. O lazer sério – como espaço de crescimento, de gratuidade e de reencontro – ajuda-nos a cultivar esses sorrisos. E com eles, levamos paz onde passamos.
Segunda mensagem (cabe na mesma mala):
As férias podem ser um ponto de partida. Quando vividas com ‘seriedade’ e entrega, tornam-se solo fértil onde a alma respira, o corpo se renova e o sentido reencontra morada. No lazer sério, redescobrimos a alegria de existir – não como fuga, mas como recomeço.