Neste espaço claustral proponho-me refletir alguns temas do campo semântico da família. Quando falamos em família, em que é que pensamos? Qual ou quais os denominadores comuns que estão presentes aos diferentes conceitos de família e respetivas vivências? Mais que falar de um modelo de família, penso importante falar dos valores que fundamentam qualquer modelo de família.
O ser humano leva inscrito na sua natureza a capacidade relacional. Somos seres de relação, de interações, de diálogo, de connects, dizem os mais jovens. A relação e o diálogo dão-se entre iguais, pressupõem reciprocidade. Claro que que também podemos falar de relação com o Transcendente, com Deus, e neste caso há diálogo, mas entre diferentes. Há possibilidade de diálogo porque Deus condescende, baixa-se ao nosso nível e capacita-nos para a escuta e diálogo com o totalmente Outro.
Mas vamos centrar-nos na relação e diálogo entre iguais, entre os humanos. A qualidade da nossa vida depende, em grande parte, do leque e qualidade de relações que estabelecemos. Se criamos e alimentamos uma boa constelação afetiva nas nossas relações, sobretudo nas de maior proximidade, onde incluímos a família e os amigos, experimentamos a felicidade e o bem-estar tão desejados. Se não temos sucesso na vida relacional na família e no grupo de amigos, todos os demais sucessos que possamos ter na vida: profissional, académico, económico… não nos satisfazem e deixam sempre um vazio que é fonte de tristeza e desencanto.
Para crescer na vida relacional, na família, comunidade ou círculo de amigos, precisamos de voltar a nossa atenção para um valor fundamental: a escuta! Escutar não é fácil. Somos mais espontâneos e mais dados no falar que no escutar. O ditado diz que Deus deu ao homem dois ouvidos, dois olhos e uma boca para ver e ouvir duas vezes mais do que falar. No entanto, a criança ao crescer é mais estimulada para falar do que para escutar e assim se mantém pela vida fora. Aprendemos até várias linguagens, verbal e não verbal, vários idiomas, investindo as forças que forem necessárias, mas pouco investimos na escuta. E a escuta também pressupõe uma aprendizagem. A escuta pede-me que exercite o silêncio, a capacidade que eu tenho de calar, de não falar, não julgar, não me precipitar na resposta ou noutro tipo de reação. Escutar implica que eu considere o outro que se me quer revelar. Preciso de acreditar que o outro, familiar, irmão ou amigo, é muito importante para mim. São pessoas cheias de sabedoria, mistério, surpresa, novidade por desvendar. Tenham eles mais ou menos idade, cursos da universidade ou da experiência vital, eloquentes ou gagos… todos têm muito a dizer-me e a enriquecer-me. Cresço mais na escuta do que no falar. Escutar é amar, é dar prioridade ao outro, é como que dizer-lhe: neste momento és a pessoa mais importante na minha vida, sou todos ouvidos, quero escutar-te, acolher-te não apenas nas palavras que me dizes, mas também nos silêncios que fazes ou nas palavras que não encontras para objetivar os que sentes ou pensas. O Principezinho dizia para si que «só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos»; ora, poderíamos parafraseá-lo substituindo o ver pelo escutar e teremos um resultado carregado de sentido. Realmente só se escuta bem com o coração. Para tal, precisamos de identificar os obstáculos que levantamos a uma escuta com qualidade. E o maior obstáculo é a nossa incapacidade de calar não apenas a boca, mas também os pensamentos e pre-juízos interiores enquanto o outro se me comunica.
Ora, sem este exercício da escuta não há verdadeiro diálogo entre duas pessoas, não há relação que se tece com as escutas de cada dia, com as palavras que fazem eco ao escutado, que respondem para que os dois seres de diálogo se iluminem mutuamente e possam ver a realidade com um olhar mais profundo, mais sensato e sereno.
Há demasiadas palavras na praça pública, nos lares, nas casas. Precisam-se oásis de silêncio e espaços de escuta. A escuta é o alimento-base do diálogo profundo sobre os temas essenciais da vida relacional na família e nas nossas comunidades ou grupos de referência. Sem escuta não há diálogo, não se constrói relação e fica-se muito distante do terceiro elemento que todos desejamos: a comunhão!
A comunhão é uma experiência humana, afetiva e espiritual. É o fruto maduro e apetecido de todo o ser humano à face da terra. Todos temos necessidade de proximidade, de relações que ajudem a vir ao de cima o melhor de nós mesmos, que estimulem as nossas qualidades que diminuirão a preponderância das nossas fragilidades. A comunhão ressalta tanto o que de mais genuíno existe em cada criatura humana que obnubila o menos bom que também espreita a oportunidade para criar tensões e distanciar as pessoas mesmo nos contextos familiares onde as pessoas se amam e apreciam por natureza. Estou convencido que se exercitarmos a escuta qualificamos o diálogo e a relação e contribuímos para que a comunhão, como dom e conquista, frutifique na família.
Se estes valores forem exercitados na célula base das sociedades, que é a família, teremos comunidades humanas, culturas e países mais coesos e mais respeitadores uns dos outros, de tal forma que o que construímos na família vai dar frutos em todas as demais instâncias da vida humana sobre a terra.