Nov 15, 2022 | Casa comum, Vida da Terra

Professora aposentada. Carmelita secular.

Ameaças climáticas sobre a vida da terra?

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«Se não reduzirmos o enorme fosso entre os que têm e os que não têm, estaremos construindo um mundo de oito bilhões de pessoas repleto de tensões, desconfiança, crises e conflitos… Espero que a COP27 resulte em um Pacto de Solidariedade Climática histórico sob o qual as economias desenvolvidas e emergentes se unam em torno de uma estratégia comum e combinem as suas capacidades e recursos para o benefício da humanidade» (António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas).

A XXVII Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), conhecida como Conferência das Partes, ou COP27, está a decorrer no Egito, de 6 a 18 de novembro de 2022, com cerca de 200 países representados. As COPs são na atualidade as mais importantes conferências anuais sobre o clima do planeta. A sua origem remonta à Cimeira do Rio de Janeiro de 1992, onde se assinou a Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, de modo a encontrar soluções para as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) provenientes das atividades humanas, entre eles, e sobretudo, o dióxido de carbono, e para o subsequente aquecimento global.

Entretanto, em 1988, a Organização Meteorológica Mundial e o Programa da ONU pelo Ambiente tinham criado o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, mais conhecido pela sigla IPCC, em inglês, com 195 países membros. O IPCC é um organismo científico mundial que avalia o estado do clima, as causas e as consequências das mudanças atuais. Seis relatórios de avaliação foram publicados entre 1990 e 2022[1]. Todo este trabalho não é renumerado pelo próprio IPCC, mas sim pelos governos e pelas instituições científicas que abrigam os cientistas participantes, os experts, em inglês, a maior parte nos campos das ciências da natureza, políticas e económicas.

Por exemplo, o quinto relatório de 2014 foi fruto do trabalho de 830 cientistas e autores escolhidos entre os candidatos nomeados por cada país. Os autores elaboraram uma análise crítica dos conhecimentos oriundos de publicações científicas. Esta primeira versão foi revista com os milhares de contributos de mais de 2000 cientistas do IPCC e quaisquer outros especialistas externos. Por fim, foram produzidas duas sínteses, uma técnica, outra, de algumas páginas, destinada aos decisores políticos, geralmente a mais mediatizada em todos os relatórios[2].

Em 2014, as principais conclusões foram as seguintes: «o aquecimento é inequívoco»; «a principal causa do aquecimento presente é, com elevadíssimo grau de certeza, a emissão de GEE pelas atividades humanas, com destaque para a emissão de CO2. A evidência indicando a origem humana do problema fortaleceu-se desde o relatório anterior [2007]”; “o aumento da temperatura na superfície do planeta vai provavelmente ultrapassar 1,5⁰C nos finais do século XXI em relação ao período de 1850-1900».

A COP21 realizada em Paris em 2015 conseguiu chegar a um acordo para conter o aquecimento global abaixo de 2⁰C, preferencialmente em 1,5⁰C; mas cada país ficou soberano nas suas metas de emissão carbónica com uso de combustíveis fósseis e sem mecanismos de penalização em caso de não cumprimento. Desde então, as preocupações orientaram-se mais para o financiamento dos países mais pobres no âmbito da ajuda para a luta contra o aquecimento e a adaptação à mudança climática. Espera-se que a COP27 apresente um balanço positivo na contenção das emissões de CO2 e trace uma maior cooperação entre países do Norte e do Sul.

Todo este processo conduzido por uma entidade científico-política suscita interrogações e controvérsias mais ou menos científicas. Algumas nem sequer serão aqui sucintamente apresentadas por rejeitaram conhecimentos científicos “banais” na atualidade, por exemplo, quando se acredita que o nosso planeta é plano e/ou que a criação e evolução da vida ocorreram tal como o Livro do Génesis a descreve. Passemos então às controvérsias de cientistas que reagiram negativamente à “obsessão” do dióxido de carbono na análise dos acontecimentos climáticos.

Não se pode negar uma tendência para o aumento global da média de temperatura, cerca de + 0,8⁰C, desde o início do século XX, existindo, aliás, importantes variações regionais na superfície do globo. Os relatórios admitem, afinal, muitas incertezas na articulação entre os parâmetros naturais e os de origem humana. É precisamente aí que os chamados climato-céticos (ou climato-realistas, para os menos céticos…), às vezes acusados de serem financiados por grandes empresas emissoras de CO2, assentam a sua demonstração. Não atribuem à Humanidade a quase total responsabilidade pelas alterações climáticas. O sistema climático pode tornar-se muito caótico e imprevisível à escala de algumas décadas, sobressaindo acontecimentos extremos: secas, chuvas torrenciais, tornados e ciclones mortíferas, inverno precoce ou tardio etc., de origem natural, sem relação alguma com o aumento de CO2. São exemplos disso os períodos muito quentes e secos do verão passado na Inglaterra, França ou Suécia, relacionados com uma trajetória rara das correntes de jato polares, ventos poderosos do oeste que se situam entre 7 a 12 km acima do nível do mar e que deixaram “passar” massas de ar do Sul. Desconhecem-se as causas de tal fenómeno. Mas as caricaturas climáticas divulgadas pelos média transformaram-no num sinal inequívoco das alterações climáticas de origem humana.

Estes acontecimentos sempre existiram mas apenas se dispõem de medidas qualitativas antes dos meados do século XIX. A falta de leitura destes acontecimentos numa escala de tempo mais longo é uma das críticas mais frequentes dos historiadores do clima aos resultados dos cientistas “duros” do IPCC. Neste sentido, houve avanços espetaculares nos últimos vinte anos em algumas disciplinas das soft sciences, como no campo da Paleoclimatologia, Arqueologia e História do clima, que mereciam ser ponderados nos relatórios[3].

Está aberto um longo debate entre cientistas alarmistas, com uma possível extinção da vida a longo prazo, e cientistas críticos das conclusões dos relatórios do IPCC, com outra sensibilidade, que aponta no imediato para a eficiência energética, a redução do consumo inútil, o desenvolvimento sustentável, a justiça social e o ordenamento do território, a fim de se evitar a impermeabilização dos solos e a deflorestação. Em boa verdade, porém, «Não existem soluções científicas e tecnológicas que prescindam das soft sciences, em cujo âmbito se inserem estes comentários finais. E ainda bem que assim é, porque um universo regido por hard sciences seria um universo de robôs e não de Homens»[4].


[1] Sobre as COPs, o IPCC e seus relatórios, ver a Wikipédia em inglês ou francês.

[2] Les experts du climat, CNRS le jornal, nº274, 2013, pp 18-27.

[3] Cf. Brooke, John L., 2014. Coupling Earth History and the Human Past. A Review of Climate Change and the Course of Global History: A Rough Journey, Cambridge University Press

[4] Domingues, J. Delgado (1935-2014), Os equívocos e o debate científico sobre as alterações climáticas, Anuário Janus, 2013. https://jddomingos.ist.utl.pt/AlteracoesClimaticas/Alteracoes_Climaticas_JANUS.pdf

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