Jul 16, 2024 | Desafios, Entre fé e ciência

Médico – Carmelita Secular

A morte aos olhos da ciência e da Igreja

Partilhar:
Pin Share

A sabedoria popular costuma dizer que a morte é uma das poucas certezas na vida. E, talvez por ser uma certeza, é um dos momentos mais temidos. Pode ser definida, cientificamente, como o «processo irreversível de paragem das atividades biológicas necessárias para a caracterização e manutenção da vida de um sistema biológico». Mas Jesus e a Igreja ensinam-nos que há algo mais para alem desta vida terrena. Esta crença na vida eterna, atribui à morte um sentido maior, uma plenitude que a ciência não lhe consegue atribuir, um significado mais forte e mais positivo. A morte torna-se mais uma etapa da Vida, o momento final da vida terrena, que também é uma porta de entrada para a eternidade, junto do Pai. E, por isso, não deve ser temida, mas sim preparada e entendida na plenitude do seu mistério.

A sabedoria popular costuma dizer que a morte é uma das poucas certezas na vida. De facto, a morte é o único evento certo após o nascimento. E, talvez por ser uma certeza, é um dos momentos mais temidos. Seja a nossa morte ou a morte dos nossos familiares e amigos.

Mas, o que é a morte? O que significa? Como se define?

Morte pode ser definida, cientificamente, como o «processo irreversível de paragem das atividades biológicas necessárias para a caracterização e manutenção da vida de um sistema biológico» [1]. O dicionário da Priberam afirma que morte é o «fim da vida; a cessação da vida; o termo ou fim» [2]. Ou seja, a morte é a ausência, o contrário da vida. É a paragem das atividades corporais que nos permitem viver. É deixar de respirar, de bater o coração, de pensar, de se mexer, de se relacionar com os outros. É o fim da nossa existência, o ponto final da nossa aventura nesta terra, a interrupção de todas as funções vitais do corpo.

Mas, para além da morte, haverá algo? Existirá algo mais para além da nossa existência corporal? A morte é mesmo o fim de tudo? Para a ciência, que procura estudar, testar e comprovar tudo, não existem evidências que afirmem que existe algo mais. Não dispomos de factos, dados, comprovativos, registos inequívocos que a vida não termina com a morte. Muito pelo contrário! A ausência de evidência leva a concluir que apenas dispomos ou usufruímos de 80 anos de vida (entenda-se, em média). Para a ciência, atualmente, a morte é a última estação na viagem da nossa vida.

Esta sensação de finitude leva-nos a valorizar a vida terrena e temer a morte. A dor da perda, a sensação de ausência, o vazio que experimentamos quando olhamos para o lado e não vemos essa pessoa especial, ou que sentimos quando pensamos na nossa própria morte e nas experiências que deixaremos de poder usufruir, são sentimentos muito humanos e naturais. Todos nós experimentamos esse desalento, essa perda, essa solidão, essa privação, esse medo de deixar de existir. Até Jesus passou pelo mesmo e sofreu quando soube da morte de Lázaro, chorando a morte do seu amigo! E sofreu quando foi confrontado com a sua própria morte, no Jardim das Oliveiras, onde chegou mesmo a pedir ao Pai que o salvasse daquele sofrimento. E Maria, nossa Mãe do Céu? O que terá sentido ao ver o sofrimento e a morte do seu amado filho? Nestes momentos difíceis é praticamente impossível não sofrer, não chorar, não desejar que a morte não tivesse acontecido ou não venha a acontecer.

Mas Jesus e a Igreja ensinam-nos que há algo mais para além desta vida terrena. Certo dia, Jesus disse aos seus apóstolos: «Eu vim do Pai e entrei no mundo; agora deixo o mundo e volto para o Pai» (João 16:28).  E afirmou mais: «Eu vos asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida» (João 5: 24).  Aliás, Jesus demonstrou-o aos Apóstolos, aparecendo-lhes após a sua ressurreição e partilhando uma refeição com eles. E, depois, mostrou o caminho que lhes estava destinado e subiu aos céus diante dos seus olhos.

Ao longo dos tempos, vários santos da Igreja continuaram o anúncio da boa nova da vida eterna. Santo Agostinho, por exemplo, no seu poema A morte não é nada, exclamou: «A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho». Santa Teresinha do Menino Jesus afirmava numa carta dirigida ao P. Bellière, seu irmão espiritual: «Eu não morro, entro na Vida» (Carta 244). O Papa Francisco, em 2017, partilhava, numa meditação matinal «se (a morte) é má ou não, depende de mim, de como eu penso nela, mas acontecerá e tratar-se-á do encontro com o Senhor: será este o aspeto positivo da morte, o encontro com o Senhor, será Ele que vem ao encontro, será Ele a dizer “vem, vem, bendito de meu Pai, vem comigo”» [3]. E tantos outros anunciaram esta mesma boa nova, a vida eterna, o regresso para junto do Pai, após a morte.

Esta crença é tão forte que está inscrita no Catecismo da Igreja Católica, no seu artigo 12º. É aqui que a Igreja afirma que «o cristão, que une a sua própria morte à de Jesus, encara a morte como chegada até junto d’Ele, como entrada na vida eterna» [4].  Acrescenta ainda que «ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua vida em referência a Cristo» [4] e que «os que morrerem na graça e na amizade de Deus e estiverem perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo» [4].

Mas esta crença na vida eterna não é apenas baseada em palavras, em escritos ou na ilusão. A Igreja tem estudado e validado, ao longo dos tempos, acontecimentos para os quais a ciência não consegue encontrar resposta, e que ocorrem por intercessão de pessoas que já partiram. Por exemplo, o beato Carlo Acutis prepara-se para ser canonizado após lhe terem sido atribuídos dois milagres, duas curas inexplicáveis: a cura de um menino brasileiro, diagnosticado com uma doença congénita rara, após contacto com uma peça de roupa com o seu sangue, e a cura de uma jovem da Costa Rica, milagrosamente curada após um acidente [5]. Em 2019, uma religiosa brasileira, a Irmã Dulce, foi canonizada depois de reconhecida a «cura instantânea da cegueira de um maestro», que «convivera com a cegueira, durante 14 anos e voltou a ver de forma permanente, em 2014». O certo é que o dito maestro havia suplicado à Irmã Dulce por uma cura, sem que a medicina conseguisse explicar o motivo [6].

E, como estes dois exemplos, muitos mais existem e estão validados [7].

Mas não se pense que a Igreja aproveita estes acontecimentos e os instrumentaliza em seu proveito. A Igreja Católica estuda-os de uma forma científica, racional, exigente, para validar o caso identificado. Só quando não é possível identificar de forma científica o motivo da cura é que a Igreja declara aquela ocorrência como um milagre. E isso significa que a Igreja apenas valida menos de 1% dos milagres de cura que lhes são reportados para estudo [8].

Esta crença na vida eterna atribui à morte um sentido maior, uma plenitude que a ciência não lhe consegue atribuir, um significado mais forte e mais positivo. Tal como dito por Johann Goethe «a vida é a infância da eternidade», ou seja, a vida não termina na morte, mas prolonga-se pela eternidade junto do Pai. E, por isso, não deve ser temida, mas sim preparada e entendida na plenitude do seu mistério. E, também neste tema, a ciência e a religião não se encontram em lados opostos. Na realidade, estas duas visões, análises ou definições complementam-se de uma forma profunda, como em tantas outras realidades da nossa vida.

Referências

[1]Wikipedia, “Morte,” 25 Junho 2024. [Online]. Available: https://pt.wikipedia.org/wiki/Morte. [Acedido em 9 Julho 2024].
[2]Dicionário Priberam, “Morte,” [Online]. Available: https://dicionario.priberam.org/morte. [Acedido em 9 Julho 2024].
[3]P. Francisco, “Pensamento da morte,” 17 novembro 2017. [Online]. Available: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/cotidie/2017/documents/papa-francesco-cotidie_20171117_pensamento-da-morte.html. [Acedido em 9 julho 2024].
[4]Igreja Católica Apostólica Romana, “Catecismo da Igreja Católica,” [Online]. Available: https://catecismo.net/indice-geral/parte=1/secao=2/capitulo=3/artigo=12/paragrafo=0/topico=0/titulo=0/numero=0. [Acedido em 9 julho 2024].
[5]O Globo, Carlo Acutis: papa reconhece novo milagre, e ‘padroeiro da internet’ virará santo; entenda, pp. https://oglobo.globo.com/mundo/epoca/noticia/2024/05/25/carlo-acutis-papa-reconhece-novo-milagre-e-padroeiro-da-internet-virara-santo-entenda.ghtml, 25 maio 2024.
[6]Zero Hora, “Os milagres reconhecidos pelo Vaticano que transformarão irmã Dulce em santa,” 1 julho 2019. [Online]. Available: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2019/07/os-milagres-reconhecidos-pelo-vaticano-que-transformarao-irma-dulce-em-santa-cjxkhtae303vm01p4xmulefyg.html. [Acedido em 9 julho 2024].
[7]Diocese de Braga, “https://www.diocese-braga.pt/noticia/2022-05-12-fe-martirio-milagres-papa-ira-reconhecer-dez-novos-santos-33418,” 12 maio 2022. [Online]. Available: https://www.diocese-braga.pt/noticia/2022-05-12-fe-martirio-milagres-papa-ira-reconhecer-dez-novos-santos-33418. [Acedido em 9 julho 2024].
[8]F. Vêneto, “A Igreja Católica reconhece menos de 1% dos milagres de cura,” Aleteia, 18 maio 2021. [Online]. Available: https://pt.aleteia.org/2021/05/18/a-igreja-catolica-reconhece-menos-de-1-dos-milagres-de-cura. [Acedido em 9 julho 2024].
A sabedoria popular costuma dizer que a morte é uma das poucas certezas na vida. E, talvez por ser uma certeza, é um dos momentos mais temidos. Pode ser definida, cientificamente, como o «processo irreversível de paragem das atividades biológicas necessárias para a caracterização e manutenção da vida de um sistema biológico». Mas Jesus e a Igreja ensinam-nos que há algo mais para alem desta vida terrena. Esta crença na vida eterna, atribui à morte um sentido maior, uma plenitude que a ciência não lhe consegue atribuir, um significado mais forte e mais positivo. A morte torna-se mais uma etapa da Vida, o momento final da vida terrena, que também é uma porta de entrada para a eternidade, junto do Pai. E, por isso, não deve ser temida, mas sim preparada e entendida na plenitude do seu mistério.

Artigos

Relacionados

Que pandemia é esta, a egodemia?

«Parece que depois da pandemia as pessoas tornaram-se mais egoístas!» – ouço algumas vezes. Também esta é, devo confessar, sendo adverso a pessimismos morais, a minha impressão. Não consigo diagnosticar com limpidez as causas. Teríamos de entrar, talvez, no campo da...

read more