O Bom Médico

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Eis-nos de volta a este santo Claustro! Santa Teresinha do Menino Jesus é uma verdadeira mestra espiritual e doutora da Igreja que nos inspira, como guia segura, na hora de olharmos para a nossa vida cristã e avaliarmos se estamos a corresponder, ou não, ao sonho que Deus tem para cada um de nós. Teresinha tinha grandes aspirações à santidade. O seu exemplo cativa, interpela, deixa-nos a pensar, alarga-nos horizontes. Cativa, por exemplo, a sua vivência da caridade nos pequenos gestos diários, nos gestos mais comuns, mas cheios de atenção e delicadeza com os outros. Reparemos como caminhou na mais profunda fé e como essa abertura ao Espírito é verdadeiro auxílio para o nosso próprio caminhar.  

Santa Teresinha sempre tão brilhante na sua linguagem simbólica, apresenta-nos uma outra parábola, a do Bom Médico. Uma história sobre a grandeza do amor misericordioso de Deus. Ela não é infantil nem superficial, como numa primeira leitura se poderia pensar, se atendermos à linguagem que utiliza. Não! A sua linguagem simples e muito terna é cheia de profundidade e a sua doutrina espiritual chega a todas as almas. A experiência de Deus em Teresinha é de pura confiança e amor na ternura e na misericórdia de um Pai que nos amou primeiro, nos deu o Seu Filho, se entregou por nós na Cruz, se continua a dar em cada Eucaristia, e permanece em nós, como Sua morada predileta.  

É ao Manuscrito A, da História de uma Alma, que vamos buscar o extrato do texto que nos conta a parábola do Bom Médico, texto que nos fala da grande misericórdia de Deus e da gratuidade do Seu amor. É muito interessante perceber que para Teresinha a misericórdia é um dom imerecido. O Papa Bento XVI convida-nos a «redescobrir este pequeno-grande tesouro, este comentário luminoso ao Evangelho plenamente vivido! De facto, a História de uma alma é uma história maravilhosa de Amor, narrada com tanta autenticidade, simplicidade e vigor que o leitor não pode deixar de se admirar!» (Audiência de 06.04.2011) 

Deus atuou na história pessoal de Teresinha com um amor preventivo, permitindo que a sua vida se orientasse à luz de um amor maior, um amor com marcas de eternidade. Ela foi consciente dessa realidade sabendo que o Senhor não esperou que o seu coração cedesse até ao mais pequeno pecado, mas conduziu-a ao fogo abrasador de Jesus que a cativou de tal maneira ao ponto de não ter olhos para a infidelidade ao amor. «Como é misericordioso o caminho pelo qual Deus sempre me conduziu!» (Ms A, 71r), diz-nos ela, quando, ao escrever todas as recordações, se apercebe que é assim que Deus sempre a conduziu: com misericórdia e santificando toda a sua existência. Como ações da misericórdia de Deus, sente certos miminhos que o Senhor lhe concedeu: aprender a pintar e a escrever poesia (que ela tinha renunciado ao entrar no Carmelo) e que são para ela mostras de carinho e prova de que Deus não permitia que ela tivesse desejos que não se pudessem realizar para a conduzir a Ele.

Mas entremos então na parábola que nos fala deste amor preventivo do bom médico.  

«Ah! como gostaria de poder explicar o que sinto!… Eis um exemplo que traduzirá um pouco o meu pensamento. – Suponho que o filho dum grande médico encontra no caminho uma pedra que o faz cair, e que, na queda, ele fratura um membro. O pai acorre imediatamente, levanta-o com amor, trata das feridas, empregando para tal todos os recursos da sua arte. Uma vez completamente curado, o filho testemunha-lhe o seu reconhecimento. Sem dúvida, esse filho tem muita razão para amar o pai! Mas vou fazer ainda outra suposição. – Tendo o pai sabido que no caminho do filho havia uma pedra, apressa-se a ir à frente dele e retira-a, sem ser visto por ninguém. Certamente, este filho, objeto da sua previdente ternura, não SABENDO a desgraça de que o pai o livrou, não lhe testemunhará o seu reconhecimento, e amá-lo-á menos do que se tivesse sido curado por ele… Mas, se vier a saber o perigo do qual escapou, não o amará ainda mais? Pois bem, eu sou essa filha, objeto do amor previdente de um Pai que não enviou o seu Verbo para resgatar os justos, mas os pecadores. Quer que O ame, porque me perdoou, não muito, mas tudo” (Ms A, 38v).

Santa Teresinha descobriu-se perdoada por antecipação, descobriu a ação misericordiosa de Deus em muitos acontecimentos da sua vida, até nos mais pequeninos de cada dia. Descobre a misericórdia de Jesus especialmente para com os pecadores e para com os que se encontram mais afastados de Deus. Ela própria se sente pecadora e perdoada e essa experiência aumentou-lhe a confiança na misericórdia de Deus. A pobreza, a pequenez e a debilidade do ser humano é condição necessária para a ação do amor misericordioso. Teresinha manifesta na História de uma Alma que a condição necessária para percorrer o caminho da santidade consiste em fazer-se pequenino porque é próprio do amor abaixar-se e revelar-se aos pequeninos. 

A misericórdia preventiva que a jovem santa experimentou faz-nos olhar para as situações de pecado, sejam elas quais forem, e concluir: eu poderia fazer isto, eu poderia ser assim, eu poderia ainda fazer males maiores… se a misericórdia preventiva do Bom Médico não atuasse em mim; e ficaria humilhada, e para sempre no chão, se não experimentasse a misericórdia curativa que reintegra e faz começar tudo de novo.

Para Teresinha o Amor tem um nome e um rosto: Jesus. Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, o Seu amor é plenamente divino e humano e é no Amor de Jesus que Teresinha coloca toda a sua esperança. Ela intuiu aquela Misericórdia de Deus que a Virgem Maria experimentou: A minha alma glorifica o Senhor, porque olhou para a sua humilde serva. Maria dá graças ao Senhor por ser pobre e pequena e Teresinha sente-se feliz por ser pobre criatura e não desanima porque a sua pobreza atrai sobre si o amor e a misericórdia de Deus. Não se inquieta por alguma falta cometida e coloca toda a sua confiança no Senhor, ela compreendeu e viveu de modo admirável o que é a confiança cristã na misericórdia de Deus que é curativa mas também preventiva. 

Eis-nos de volta a este santo Claustro! Santa Teresinha do Menino Jesus é uma verdadeira mestra espiritual e doutora da Igreja que nos inspira, como guia segura, na hora de olharmos para a nossa vida cristã e avaliarmos se estamos a corresponder, ou não, ao sonho que Deus tem para cada um de nós. Teresinha tinha grandes aspirações à santidade. O seu exemplo cativa, interpela, deixa-nos a pensar, alarga-nos horizontes. Cativa, por exemplo, a sua vivência da caridade nos pequenos gestos diários, nos gestos mais comuns, mas cheios de atenção e delicadeza com os outros. Reparemos como caminhou na mais profunda fé e como essa abertura ao Espírito é verdadeiro auxílio para o nosso próprio caminhar.  

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