Durante este mês de outubro, de 2 a 27, a Igreja universal está a realizar a segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. O tema desta assembleia é sobre a natureza dos próprios sínodos e do tema da sinodalidade que vai para além das reuniões sinodais. Falar de sinodalidade é falar de um novo estilo de viver e participar na comunhão e missão da Igreja. A sinodalidade é um processo em curso desde a Igreja nascente, com períodos de maior vitalidade sinodal e com outros de grande obscurecimento deste espírito. O pontificado do Papa Francisco imprimiu um novo ritmo a este tema e não se cansa de o estimular desde as mais variadas perspetivas e âmbitos. O processo está em curso e é imparável e por isso, só temos razões para a esperança de um novo rosto de Igreja mais genuína, mais inclusiva, em resumo, mais evangélica, como o seu Fundador a desejou.
Mudar um estilo, uma mentalidade, leva tempo, requer muita persistência, perseverança e, sobretudo, muita abertura ao Espírito Santo, pois, em última instância, só Ele é que pode abrir os corações a uma nova forma de ser Igreja. Basta recuarmos 10 ou 20 anos e verificamos como certas «verdades» que tínhamos como inabaláveis, hoje já são vistas de novos ângulos, já somos capazes de as matizar, de as confrontar com a frescura genuína do Evangelho e perguntar-me/nos: como é que eu me aferrei tanto a essas «verdades» e não fui capaz de ver o outro lado, de me pôr na pele do outro que é tão destinatário da boa nova da salvação como eu? O espírito sinodal traduz-se basicamente numa atitude de escuta, de diálogo, de oração e discernimento sobre os mais variados temas da vida da Igreja: ministérios, serviços, moral pessoal ou social, igualdade e complementaridade entre homem e mulher, governo da Igreja universal e das comunidades locais, autoridade, obediência… em todos estes âmbitos e instâncias há de ressoar o espírito do Evangelho ao qual todos estamos chamados a acolher e anunciar. E tudo na vida da Igreja ou se orienta para o anúncio em palavras e obras inspiradas pelo Evangelho ou está a mais, estorva, obscurece a alegria da fé, da esperança e da caridade.
Mas porque é que a sinodalidade enfrenta resistências e dificuldades? Porque existem outras mentalidades, outros estilos que se foram incrustando nos ministros e fiéis, nas estruturas, nos costumes… e a mudança de mentalidade, na linguagem paulina, «a renovação da nossa mente», é sempre difícil e lenta, mas vamos lá! Há um novo rosto da Igreja a emergir. Entretanto, é preciso deixar cair machismos, feminismos, clericalismos dos clérigos, que não largam mão dos comandos para nada, ou clericalismo dos leigos quando dizem que «o senhor padre é que sabe» e tudo esperam dele. A sinodalidade caminha a par com os princípios da corresponsabilidade, complementaridade e subsidiariedade que estão na base do modelo da Igreja Comunhão que o II Concílio do Vaticano colocou no nosso horizonte.
A fonte de inspiração e renovação da vida da Igreja, das famílias, das pessoas é sempre o Evangelho lido à luz do Espírito e numa atenção aos sinais dos tempos. Não podemos ler e interpretar a Palavra em circuito fechado, sem ouvir os clamores dos pobres, dos que são excluídos da vida das comunidades, dos que estão impedidos de exercer os seus direitos fundamentais. Gosto de recordar a sugestão de ter uma Bíblia numa mão e o jornal diário noutra, porque é a melhor forma de lermos a realidade à luz da Palavra e interpretar a Palavra de forma encarnada em cada tempo e lugar. E tudo isto se faz em comunidade, em Igreja, em espírito sinodal, ou seja, na companhia de irmãos que pensam como eu ou que pensam diferente, sim, porque precisamos de ouvir o diferente, o que incomoda com as suas atitudes ou visões da vida, os que me interpelam e me obrigam a sair de mim para escutar o outro com o coração, para acolher o que me diz e que porventura não é capaz de formular em palavras e conceitos bem arrumados e me chega apenas nas entrelinhas, nos silêncios, nos suspiros… e não andará também por aí o Espírito?
Acredito que a mentalidade sinodal se irá enraizando desde a base até ao topo, se irá enraizando na vida das pessoas, das famílias, dos grupos, dos movimentos, das pequenas ou grandes comunidades. Os exemplos desde o topo não nos têm faltado, na base também há bons exemplos, mas também há muitas resistências transversais a toda a vida eclesial. Mas os resistentes a este espírito sinodal não são inimigos, estão, quero acreditar, a fazer o seu caminho ao seu ritmo. A paciência é uma virtude dos fortes, dos santos. A santa de Ávila diz que a «paciência tudo alcança» se estamos com Deus, se estamos de coração reto e consciência pura.
Por último, pelo carinho que lhes tenho, gostaria de olhar para as famílias como um lugar especial para exercitar as virtudes que estão na base da sinodalidade: a escuta, o diálogo, a oração, o discernimento e, por fim, a tomada de decisões; que por sua vez, podem e devem ser avaliadas no tempo para conferir se correspondem à vontade de Deus, se geram pessoas mais livres, mais felizes, mais buscadoras do ideal da comunhão que está inscrito nos interstícios da natureza humana.