Médico – Carmelita Secular

O papel da mulher na Igreja

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«Não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original, escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar. A partir desta dignidade, comum e partilhada, a cultura cristã elabora sempre de novo, em diferentes contextos, a missão e a vida do homem e da mulher e o seu mútuo ser um para o outro, em comunhão.» (Papa Francisco)

Nos tempos que correm, a Igreja é constantemente confrontada com a necessidade de repensar o papel da mulher na Igreja, num processo racional semelhante ao que a sociedade civil já fez e continua a fazer. A base para esta reflexão é a mesma: a mulher é mais do que capaz de desempenhar as mais variadas profissões e cargos que, tradicionalmente, estavam destinadas a ser desempenhados por homens.

Na sua mais recente viagem apostólica à Bélgica, o Papa Francisco encontrou-se com os professores e alunos das duas Universidades Católicas belgas (KU Leuven e UCLouvain). Nesses encontros, o Sumo Pontífice foi confrontado com «o atraso na integração das mulheres e da comunidade LGBTQ+ na Igreja» (Euronews, 2024) e sobre a “invisibilidade” e “o papel das mulheres na Igreja e na sociedade”. (Sapo24, 2024) (UOL, 2024)

Luc Sels, reitor da KU Leuven, afirmou «que os escândalos de abusos tinham enfraquecido de tal forma a autoridade moral da Igreja que esta faria bem em reformar-se se quisesse recuperar a sua credibilidade e relevância», chegando a questionar se a «Igreja não seria um lugar mais quente se as mulheres tivessem um lugar proeminente, o lugar mais proeminente, também no sacerdócio» e se a «Igreja na nossa região não ganharia autoridade moral se não fosse tão rígida na sua abordagem às questões de género e diversidade (…). E se, tal como a universidade, abrisse mais os braços à comunidade LGBTQ+» (Euronews, 2024).

Já os estudantes questionaram o Papa Francisco sobre o que «desenvolvimento integral significa para a Igreja Católica» e se a «Igreja está pronta para usar essa noção a partir de uma perspetiva intersectorial (…) levando em conta as desigualdades de classe, género e raça» (Sapo24, 2024), afirmando que «a teologia católica tende a reforçar» a divisão de papéis entre homens e mulheres «através de sua ‘teologia da mulher’, que exalta seu papel maternal e proíbe seu acesso aos ministérios ordenados», que a «invisibilidade das mulheres nas dimensões intersectoriais dos ministérios da Igreja, da justiça social e do pensamento tem consequências para a maneira como vivemos a transição ecológica» e que o «apelo ao desenvolvimento integral (…) parece incompatível com as posições sobre a homossexualidade e o lugar das mulheres na Igreja Católica», pedindo uma «mudança de paradigma» (Instituto Humanitas Unisinos, 2024).

A estas questões, o Papa Francisco desafia-nos a «redescobrir o ponto de partida: quem é a mulher e quem é a Igreja», afirmando que a «Igreja é mulher: não é “o” Igreja, mas “a” Igreja, é a esposa. A Igreja é o povo de Deus, não uma empresa multinacional».  E salienta que a «mulher, no Povo de Deus, é filha, irmã, mãe. Tal como eu sou filho, irmão, pai. São as relações que exprimem o nosso ser à imagem de Deus, homem e mulher, juntos, não em separado! Com efeito, as mulheres e os homens são pessoas, não indivíduos; são chamados desde o “princípio” para amar e serem amados. Uma vocação que é missão. Daqui deriva o seu papel na sociedade e na Igreja» (Francisco, Encontro com os estudantes universitários – Discurso do Santo Padre, 2024).

O Santo Padre continua recordando que «a mulher está no centro do acontecimento salvífico. É a partir do “sim” de Maria que o próprio Deus vem ao mundo. A mulher é acolhimento fecundo, cuidado, dedicação vital. Por isso a mulher é mais importante que o homem, e é triste quando a mulher quer fazer-se homem: não, é mulher, e isto “tem peso”, é importante. Abramos os olhos para os muitos exemplos quotidianos de amor, das amizades ao trabalho, do estudo à responsabilidade social e eclesial, da conjugalidade à maternidade ou à virgindade em favor do Reino de Deus e do serviço. Não esqueçamos, repito: a Igreja é mulher, não é masculina, é mulher» (Francisco, Encontro com os estudantes universitários – Discurso do Santo Padre, 2024).

De facto, a Igreja existe porque uma mulher disse “sim” a Deus e ao Seu projeto, entregando-se à missão que lhe foi confiada e mudando a face da Humanidade. Sem Maria, nada do que aconteceu depois (e que se continua a celebrar e viver, mais de 2000 anos depois) teria sido possível. Reparemos que Deus, sendo omnipotente, poderia ter escolhido outra forma de descer à Terra e salvar a Humanidade. Poderia ter descido dos céus com toda a Sua glória e poder, numa imagem de força e majestade. Ou poderia, simplesmente, ter aparecido como homem na Galileia, livre de qualquer ligação à figura materna. No entanto, podendo fazer como Lhe aprouvesse, Deus escolheu nascer e depender de uma mulher e de um homem, Maria e José, não ignorando nem a mulher nem o homem.

Durante a sua vida pública, Jesus era conhecido por “quebrar” algumas das regras que a sociedade da altura impunha, como não trabalhar ao sábado ou não falar com samaritanos ou, ainda, não entrar na casa de pecadores ou permitir que eles e elas lhe tocassem. Jesus acolhia a todos, de acordo com o coração de cada um. Disto são exemplos a obediência a Sua mãe (quer durante a infância – Lc 2:52, quer no milagre das bodas de Caná – Jo 2:1-11); a conversa com a Samaritana (Jo 4, 4-42); o acolhimento e perdão à mulher pecadora que lhe lavou os pés com lágrimas (numa situação condenada pelos fariseus que jantavam com Ele – Lc 7:36-50); o perdão à mulher adúltera (que Jesus salva afirmando que «quem não tiver pecado que atire a primeira pedra» – Jo 8:7-8); a escolha de Maria Madalena como a portadora da Boa Nova da Ressurreição de Jesus (Jo 20:11-18); entre muitos outros episódios em que demonstrou o Seu respeito pelas mulheres.

No entanto, na altura de fundar a Igreja, Jesus escolheu os seus 12 apóstolos e atribuiu-lhes, e apenas a eles, a seguinte missão: «Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu» (Mt 18:18). Esta missão, de ser a voz da Igreja e de Deus no mundo, foi dada aos apóstolos apenas. Não a qualquer homem, mas apenas àqueles que são chamados e abraçam a vocação do sacerdócio. Jesus, na sua autoridade, podia ter dirigido esta missão às mulheres que com Ele viajavam, mas não o fez. E não foi, como alguns dizem, porque à mulher lhe era exigido ficar em casa e cuidar da família. Fê-lo por que foi Sua vontade, porque Ele pretendia que a mulher tivesse outro papel e outra missão. Uma missão igual em dignidade e valor, mas diferente na forma e no conteúdo.

Ainda durante a conversa com os estudantes universitários belgas, o Papa Francisco foi claro: «Não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original, escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar. A partir desta dignidade, comum e partilhada, a cultura cristã elabora sempre de novo, em diferentes contextos, a missão e a vida do homem e da mulher e o seu mútuo ser um para o outro, em comunhão. Não um contra o outro – isto seria feminismo ou machismo – e não com reivindicações opostas, mas o homem pela mulher e a mulher pelo homem, juntos» (Francisco, Encontro com os estudantes universitários – Discurso do Santo Padre, 2024).

A mulher e o homem são iguais em dignidade, mas diferentes na sua essência, destinados a viverem um para o outro e um com o outro, sem sobreposições ou domínio de parte a parte, mas complementando-se e colaborando na missão que Deus nos deu: cuidar da Casa Comum.

Referências

Euronews. (29 de setembro de 2024). Papa Francisco criticado por estudantes durante visita a universidade católica na Bélgica. Obtido de https://pt.euronews.com/my-europe/2024/09/29/papa-francisco-criticado-por-estudantes-durante-visita-a-universidade-catolica-na-belgica

Francisco, P. (28 de setembro de 2024). Encontro com os estudantes universitários – Discurso do Santo Padre. Obtido de Site do Vaticano: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2024/september/documents/20240928-belgio-studenti-universitari.html

Francisco, P. (27 de setembro de 2024). Encontro com os professores universitários – discurso do Santo Padre. Obtido de Vaticano: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2024/september/documents/20240927-belgio-docenti-universitari.html

Instituto Humanitas Unisinos. (30 de setembro de 2024). Polêmicas na Universidade Católica de Lovaina após os comentários do Papa sobre as mulheres. Obtido de Instituto Humanitas Unisinos: https://ihu.unisinos.br/644185-polemicas-na-universidade-catolica-de-lovaina-apos-os-comentarios-do-papa-sobre-as-mulheres

Sapo24. (28 de setembro de 2024). Papa foi intensamente questionado na Bélgica sobre papel das mulheres. Obtido de Sapo: https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/papa-foi-intensamente-questionado-na-belgica-sobre-papel-das-mulheres

UOL. (28 de setembro de 2024). Papa recebe na Bélgica fortes questionamentos sobre papel das mulheres… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2024/09/28/papa-recebe-na-belgica-fortes-questionamentos-sobre-papel-das-mulheres.htm?cmpid=copiaecola. Obtido de UOL: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2024/09/28/papa-recebe-na-belgica-fortes-questionamentos-sobre-papel-das-mulheres.htm

Gustavo Borges

Médico – Carmelita Secular

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